Retirando a eventual, embora pouco provável, tragicomédia de uma reeleição de Santana Lopes, o debate dos candidatos à liderança do PSD tem sido curioso, mostrando, no campo da Saúde, algum esclarecimento adicional em termos das opções do liberalismo nesta área. Resumidamente, sai da cartola (não um coelho, mas de um Coelho) a ideia de que o Estado deve reduzir a oferta de serviços, deixando-se substituir pelos privados, que segundo a ilusão do gestor, fornecem o mesmo serviço a mais baixo custo.
Experiências pontuais que detecto em doentes meus observados em hospitais da moda, fazem-me duvidar dessa ideia. A imperiosa necessidade de facturar leva a um exorbitante consumo de meios auxiliares de diagnóstico para situações relativamente simples. Com isso, além do aumento de receitas, consegue-se junto do consumidor ignorante ( e não pagador) uma aceitação maior do serviço, porque lhe pedem muitos exames, dando a falsa sensação de melhoria de prestação de cuidados. Contribui-se para a divulgação de uma falsa qualidade da Medicina praticada, sofisticando o que é simples, gerando ansiedades decorrentes de exames com resultados potencialmente falsos-positivos. Ou seja dá-se a ideia de melhor serviço à custa de uma pior prática. Na verdade, não se custeiam os serviços pelo case-mix da situação, apontando-se somente para o pagamento por acto, o que pode rapidamente tornar-se catastrófico para entidades pagadoras como a ADSE. E se no que aos exames auxiliares diz respeito a coisa se pode colocar só em termos de custos económicos, relativamente às terapêuticas, nomeadamente as cirúrgicas, tudo pode vir a ter custos bem maiores. Deixar a regulação para a Ética da profissão será claramente suicida.
No campo da Saúde tem de haver um grande esforço de melhoria da gestão dos Serviços Públicos, tornando-os altamente eficientes, mas não procurando substituí-los por alegadas panaceias do Privado ou do Mercado. O Mercado poderá funcionar quando existe alguém que vende alguma coisa a alguém que compra e o preço do bem é determinado pelos dois e pela concorrência. Na Saúde quem vende está numa posição de vantagem sobre quem compra, porque domina o conhecimento sobre a situação em causa. É ele quem define o que é preciso fazer! Embora bastasse isso para inviabilizar a transação mercantil, acresce que quem compra (o doente) não é exactamente um comprador, porque não é ele directamente quem paga, mas uma terceira entidade. No Público, o prescritor, pela sua independência de relação com o pagador real (maioritariamente o Estado), tem uma liberdade de pedagogia sobre o consumidor, contrariando o desejo consumista, que pode induzir poupança de recursos. No Privado, o prescritor, dependendo directamente das vendas, perde essa liberdade e pode facilmente ser um agente de estímulo do consumo.
Venha uma sã concorrência público-privado na Saúde, mas sem truques e com boa regulação. Depois, que vença quem for mais eficiente. Só, assim, ganhará quem importa que vença: o doente.