quarta-feira, agosto 10, 2005

A estranha sensação de que se foi comigo na boca

Num destes momentos ainda não consigo outra maneira de estar, que esta de me sentir, meio suspenso algures no espaço. As palavras somem-se-me da cabeça e não chegam à boca. É um tempo longo até que surjam.
Pelo corredor, vestida de preto, dirigiu-se-me perguntando se era eu, ao que lhe garanti que sim, sem saber de onde me vinha esta súbita celebridade, em que povo anónimo me conhece nas ruas. Depois veio a história: o senhor José era para vir à consulta em Setembro, mas já não vem. Estava a olhar para o livro da marcação das consultas e a falar do meu nome e caiu redondo no chão. Era só para me conhecer, ela que já ouvira falar muito de mim, para dizer obrigado. Neste instante passam-me pela cabeça o ar de gratidão de quando o curei, como ele dizia, do hipertiroidismo; as formas como me tentava dar a volta nos controlos da glicemia; a postura optimista de que estava óptimo e não era graças a Deus, que alguns ainda reconhecem a acção dos fármacos; as histórias dos ciúmes da mulher e das suas aventuras. Por fim, lá me lembrei de referir a quase sorte de se morrer sem sofrimento. Pois é, às vezes, é como uma benção.
Esta profissão tem muitas mais experiências além da gestão, do êxito da apresentação e dos casos clínicos raros. Deve ser por isto que vale a pena.

Sem comentários: