3.6.2005
Crítica da Velha América balofa
Na revista de vendas do voo da Continental encontram-se coisas como estas. Uma esteira para que o cão possa ficar deitado sem o contacto desagradável do ladrilho ou uma rampa para lhe evitar o salto até à cama. São descobertas como estas que têm feito este país. Sempre a busca de coisas simples, a facilitar a vida de pessoas (e cães) simples. Mas isto provavelmente traduz uma cultura, a de procurar facilitar a vida. Se calhar o objectivo nem será propriamente esse, que lhes ficaria muito melhor, contudo. São as inutilidades, úteis ou que o marketing faz desejáveis.
Ao contrário, na Europa, essa cultura do inútil feito útil, existe pouco. O que move os europeus são os grandes projectos, de preferência imateriais até, as grandes ideias. A última de todas é a da criação da Europa. Mas um grande projecto só existe verdadeiramente depois de realizado. Até lá será grande, mas inexistente. Acontece que a grandeza, por vezes tolhe o engenho e fica-se narcisicamente olhando a obra ou a ideia que se tem dela e incapaz de agir. É um contentamento que enche a alma na margem do vazio da realização. Mas nem por isso a obra se concretiza.
Recentemente, terá faltado a utilidade e o marketing dessa utilidade a quem quis promover a ideia de uma constituição para a Europa. Tão grande era a ideia, que se teve a miragem do já realizado. Uma espécie de Mourinho sem o trabalho, só arrogância. E deu o que deu. Agora torna-se necessário repensar o projecto, mostrá-lo e fazer com que se compreenda. Usando até, certamente, as técnicas do marketing para vender um bom produto, não uma inutilidade. É com certeza, um produto da mais elevada qualidade, o conceito de unidade entre povos que, não raramente, se combateram. Falta especificar o cimento dessa construção e escolher os seus melhores construtores. Circunstâncias do momento fizeram que, nesta altura, tenham sido gente rápida aqueles a quem foi cometida a tarefa. Irreflectidamente como é de sua natureza e falta de cultura, iludiram-se com as miragens do fado neo-liberal, convencidos que tinham chegado ao fim da história. Porém, o povo que sabe coisas, tem outra dimensão da vida e à inutilidade da Dona Economia Liberal, contrapõe a sua memória de solidariedade, de justiça social, princípios que alguns imaginam já bem enterrados. Enganaram-se, os pequenos chefes apressados de hoje! Não é vitória que eu celebre pela noite dentro, pois nessa festa a companhia não me é cómoda. Dá para desconfiar ter ao lado, na festa, Le Pen e quejandos. É importante, não o esquecer e, muito provavelmente, será com alguns dos derrotados de hoje que teremos de construir a vitória contra os que hoje celebram nacionalismos estúpidos, estratégias de encerramento em si, fanáticas xenofobias. Ser europeu será ser com todos os milhões e valer cada um, um voto entre todos, sem privilégios de nacionalidade ou de qualquer espécie. Será construir um caminho alternativo, porque baseado em velhas coisas da história que é necessário preservar, ao fanatismo neo-liberal decadente (basta olhar à volta aqui nesta terra de gordos para o perceber) e à fúria do dragão chinês. O valor da Europa é a solidariedade, a segurança e descobrir uma forma de, sustentadamente, as garantir é o desafio que se coloca. Construir uma nova Europa, contraponto desta velha América. Mas também isto não poderá ser apenas um grande projecto., sob pena de não servir rigorosamente para nada. E nunca poderá ser construído à semelhança e baseado nos princípios do que hoje já se mostra decadente. Em vez disso, será pela sua crítica que nascerá.
10.6.05
Algumas situações de memória de dias recentes.
1. San Diego
San Diego é uma cidade ausente. Está-se lá e não se sente a cidade. Parece habitada por nós, sem gente, e fica-se com a impressão de estranheza ao ler-se algures que nela vivem mais de um milhão de pessoas. à primeira vista de um visitante distraído, são uns quantos hotéis, que alojam os residentes que visitam a reunião em curso. Sem mais. Nem lojas tem, com a excepção de um Centro Comercial, aparentemente dirigido para nós que a visitamos. A cidade mora algures, longe de nós.
2. O Endo
É o meu retiro espiritual anual desde há 10 anos. Venho aqui perceber que poderia ser diferente. Por instantes, parece-se até que vai ser. Ao fim destes anos, fico contudo com a dúvida ou a quase certeza que não será. É a minha miragem anual.
3. De eléctrico até ao México
Sai-se pela linha azul até Tijuana e está-se no outro mundo. Numa densidade de farmácias que faria a loucura do Dr. João Cordeiro. Porta sim, porta não há uma farmácia com indicação expressa do que se vende em grandes letreiros. Nada da nossa habitual planificada distribuição de lojas de vendas de medicamentos e perfumes… E com garantia de preços bem mais baratos que os do outro lado, onde há eléctricos que aqui nos trazem. Dominada por uma bandeira gigantesca do México, há uma encosta recoberta por pequenas casas, em tons de castanho numa enorme tela. E motoristas de táxi que têm a habilidade de nos levar 5 dólares por uma viagem de menos de 1 km. A miséria desenrascada. Felizmente desenrascada, penso.
4. Mais Endo
É nas sessões das 6 da manhã que se percebe melhor a diferença. Mais de quatrocentas pessoas numa sessão às 6 da manhã e, penso eu, que dentro de uma semana, esperaremos calmamente até às 10 h que cheguem as pessoas para a comunicação das 9. Mas a diferença é de muito mais que 4 horas. Enquanto que aqui se fala de soluções para problemas específicos, se mostra o trabalho que a pouco e pouco os resolve, lá faz-se currículo (deliciosa expressão esta!), isto é, passa-se o tempo a fazer que se ensina e que se aprende. Uns e outros a curricular. De preferência dentro de um fatinho chique. Aqui chega uma T-shirt. Aqui é a sério, lá de faz de conta.
5. Não falo disso
Decidi não falar de quem aqui vem pago pela Indústria farmacêutica, presumivelmente para vir a uma reunião e, em vez disso, vai arejar até Los Angeles e arredores. Oooops, já falei. Paciência!
6. Tempo
Este é um sentimento novo. Um jantar de 3 horas, maça-me. Também pelo jantar. Em bandos de 20 pessoas não se janta. Não se saboreia a comida e a conversa, às vezes, desagrada. É mais por serem 3 horas perdidas a fazer uma coisa que se faria em meia hora. Um desperdício de 2 horas e meia. Deve ser da idade, mas 2 horas e meia desperdiçadas numa actividade destas é excessivo e irrecuperável. Sim, é desde há pouco tempo, mas é mesmo assim.
7. Pacífico
Há quem prefira um mergulho em águas mais ou menos frias dependendo do gosto de cada um. Só para curricular um mergulho noutro Oceano. Por mim, prefiro olhar as algas do Pacífico a espreguiçarem-se na areia, nos intervalos do vaivém da maré. De resto é um mar igual aos outros.
8. A não perder
A vista de San Diego a partir do monumento a Cabrillo. Mais um português que teve de ir a Espanha para navegar.
Também, Ocean Beach à tarde. À sua maneira, uma República independente dos EUA. Pelo menos sem as lojas das marcas de sempre. E com gente de outras eras ainda com enfeites de flores nos cabelos já grisalhos.
9. Saudades
De uma notícia na televisão. Será que dá para imaginar o vazio desta informação televisiva local, para se desejar ouvir o José Rodrigues dos Santos? Pronto, direi que até a Manuela Moura Guedes seria preferível.
10. Lamento
Quem tanto viaja e nada percebe porque não vai além da 5ª Avenida e só anda de táxi. Faz bem ir até ao fim da linha, para aumentar a esperança de que isto não vai durar sempre. Continuem a ir só até à 5ª Avenida, para que a surpresa seja maior depois. No momento do arrastão. Pensavam que era só em Carcavelos?
14.6.05
Começo, finalmente, a entrar no tempo certo das horas. Andam por aqui arrastões de morte. Primeiro o companheiro Vasco. Estranhei não ver nas notícias, alguma nota do Álvaro. Afinal, estava a também a fazer as malas. Saem deste país triste, finalmente. E fica o país mais triste, com menos encanto. O céu começa a ser uma área habitável.
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