quarta-feira, janeiro 12, 2011

A dívida e as dúvidas

Implica a lucidez que se percebam coisas básicas. Por exemplo, uma máquina produz algo, gera valor, contudo, não vive. É manipulada pelo dono para executar. Viver é algo mais do que fazer coisas, produzir. Viver é entender o que se passa a nossa volta, conseguir ter opinião, fugindo a todos os potenciais manipuladores sempre prontos a fazer-nos achar alguma coisa. Ou seja, a induzir-nos na «verdade» da opinião publicada. Primeiro, dizem o que deve ser pensado, depois esperam que se palre a história dando a possibilidade histórica de se aparecer na televisão a debitar a coisa. Cinco minutos de fama. Este é o orgasmo vital de tantos a quem se pergunta nos telejornais o que acham das mais variadas coisas.
Há por hábito, até de educação,  procurar o fácil e desvalorizar o rigor. Até porque o rigor exige pesquisa, dá trabalho, e o que se ensina é o êxito fácil, havendo mesmo uma cultura de eficiência que privilegia o desenrascanço e desmerece o investimento no trabalho. (É como achar normal aplicar num investimento 100 e retirar 240, sem nada ter sido acrescentado além da habilidade da escolha). E a vida está actualmente cheia de uma complexidade crescente, agravada pela vertigem que nos é imposta, pela avalanche exponencial do crescimento do conhecimento, que torna cada vez mais difícil a compreensão do mundo. O desenrascanço, negando o esforço, leva ao refúgio no grupo para o qual emocionalmente somos atraídos, o que garante a comodidade de sabermos que outros estão connosco, mas não a razão das opções feitas. Esta tendência tem como resultado natural a procura dos grupos maiores, por ser aí maior o apoio dos pares, com marginalização das franjas, onde quase sempre se localizam as elites e o progresso. Assim, quase sempre, mais do que ser-se por uma solução, é-se fundamentalmente contra a solução do grupo opositor e quando um resultado não é o desejado intimamente, diz-se que foi um bom resultado para os outros nossos adversários. Daí o título sugestivo de Boas Notícias para o Governo. Terá sido apenas para o Governo?

Olhando para a evolução da dívida pública de vários estados europeus em percentagem do PIB desde 2008 a 2009, parece evidente que alguma coisa de estranho aconteceu em 2008, porque quase de forma invariável em todos os Estados, os valores aumentaram de forma considerável.
Curiosamente, Portugal nem parece ser o país em que a progressão é mais acentuada:
                     2008           2009           Aumento
 Alemanha      66,3            73,4                10,7
 Espanha         39,8            53,2               33,7
 França           62,5            78,1               25,0
 Grécia          110,3         126,8                15,0
 Irlanda           44,3           65,5                47,9
 Portugal         65,3           76,1                16,5
 Reino Unido   52,1          68,2                 30,9
Conclusão: a percentagem da dívida em relação ao PIB não é das maiores (muito maior é na Itália, Bélgica ou na Grécia) nem um resultado apenas da administração do actual governo. O agravamento foi generalizado sendo o de Portugal apenas intermédio.
Ter um valor baixo da dívida em relação ao PIB não é propriamente bom sinal se tomarmos como referência os valores dos vários estados mundiais, onde as maiores percentagens se encontram no Japão, América do Norte e Europa:
Portanto, o problema não é ter uma grande dívida, mas saber onde se está a empregar o dinheiro que foi pedido. De que forma se está a regular a coisa que permite, por exemplo, que no ano passado as vendas dos porches tenham subido mais de 70%, fazendo-nos duvidar da existência de uma crise realmente séria. Como se pode assim compreender a necessidade de penalizar grupos subtanciais de cidadãos, impondo-lhes sacrifícios objectivos e dificilmente suportáveis, quando se antevê que desse efeito resulte mais constrangimento económico e recessão? Por que razão há uma urgência da destruição do Estado investidor para se suportarem privados que, nesta conjuntura de risco acrescido, dificilmente o assumirão? Não seria bem mais lógica a promoção do investimento público bem gerido, estimulante da produção e do emprego? O risco do Estado, dada a sua não-necessidade de lucro, seria sempre inferior e por isso mais viável, desde que isso não significasse criação de benefícios para um grupo, mas para o colectivo. É aqui que entram os homens e se iniciam as dificuldades...
  

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