sábado, novembro 22, 2008

Mudar de alvo

Obesidade, quem é responsável?

Num mundo onde há mais de 600 milhões de pessoas com fome, existem ao seu lado 1000 milhões com excesso de peso ou obesidade, sendo 300 milhões obesos. Em Portugal estima-se que haja actualmente cerca de 14% de indivíduos com excesso de peso ou obesidade.
Chega-se a estes números trágicos num período de tempo relativamente curto de 20 a 30 anos, curiosamente coincidente com a expansão da globalização e o triunfo do liberalismo e dos estilos de vida a ele associados.
A dimensão do problema é dramática não por problemas estéticos, pois a gordura até já foi formosura, mas porque a obesidade se encontra muitas vezes associada com problemas graves de saúde como a diabetes mellitus tipo 2, as doenças cardiovasculares, doenças músculo-esqueléticas e mesmo cancro, causadoras de morbilidade e mortalidade significativas. Por exemplo, nos Estados Unidos, calcula-se que haja mais de 300000 mortes por ano por doenças relacionadas com a obesidade.
Para além do sofrimento individual, a obesidade implica sofrimento social e tem custos importantes. Nos países da OCDE representa 2 a 6% dos custos relacionados com a saúde e, em Portugal, segundo dados de João Pereira, tem custos directos de 297 milhões de euros (2,5% da despesa em Saúde) a que se somam os custos indirectos estimados em 199 milhões.
Estamos assim perante um problema que tem vindo a tomar dimensões de epidemia, sendo as causas directas, a nível individual, um balanço energético positivo, isto é, a energia ingerida (alimentação) ultrapassa a que é gasta (exercício físico).
As razões por que isso acontece poderão ser a irresponsabilidade individual, porque, obviamente quem come e não faz exercício é o indivíduo, ou, por outro lado, factores genéticos e externos à pessoa, por ela não controláveis, como factores ambientais e socioeconómicos. Reconhecendo certamente o papel dos factores genéticos, o desenvolvimento do problema em tão curto intervalo de tempo, exclui um papel determinante da genética no aparecimento da crescente epidemia de obesidade. Definir quem é o responsável é importante porque isso tem implicações, por exemplo, na estratégia a seguir para combater este flagelo, assim como, é claro, na decisão de a quem apresentar a conta dos custos implicados.
Este problema da responsabilidade tem sido amplamente abordado a vários níveis e também nos media, os quais têm um papel determinante não só alertando para os problemas, identificando-os, mas também «educando-nos» sobre a forma de como devemos pensar sobre eles. São eles que determinam muitas vezes a forma como percebemos os problemas e nos sugerem o responsável pela sua ocorrência.
Nas sociedades dominadas pelo liberalismo, há uma tendência para atribuir as causas dos problemas, incluindo os da saúde, aos comportamentos individuais, atribuindo-se um papel secundário aos factores sociopoliticos ou económicos que eventualmente possam condicionar as opções dos indivíduos. Assim, o ónus da prevenção das doenças é atribuído de forma sistemática aos comportamentos individuais. A classe dominante tem dificuldade em aceitar um papel determinante da organização da sociedade, que levariam a tomar atitudes consideradas demasiado drásticas, como o princípio da responsabilidade por tornar acessíveis os cuidados de saúde e medidas preventivas com regulamentação das indústrias e imposição de impostos com vista a modificar comportamentos nefastos.
Este posicionamento tem sido verificado na forma como o problema da resposabilidade na obesidade tem sido apresentado pelos media. Em publicações recentes, que avaliaram o enquadramento das notícias relacionadas com a responsabilidade pela obesidade em jornais de grande circulação e na televisão dos Estados Unidos e da Austrália, os autores concluíram que as causas foram apontadas como sendo pessoais 2,4 vezes mais frequentemente que as atribuíveis aos condicialismos sociais e que a resolução do problema deverá partir dos indivíduos 4,3 vezes mais do que de alterações sociais. Há uma atitude de responsabilização dos obesos, considerados gente sem vontade e preguiçosa, apontando-lhes o caminho correcto de mais exercício e menos e melhor comida. Os pais das crianças obesas chegam mesmo a ser acusados de maus tratos por terem filhos com peso excessivo! Ao longo dos tempos, pouco se tem questionado acerca das razões da persistência nos erros e se será, realmente, uma opção livre e consciente ser-se obeso. Esta atitude resulta da crença liberal de que os indivíduos são responsáveis pelos seus problemas e de que a sociedade não deve interferir com os problemas individuais. Por isso, sempre se tem apontado para resolução do problema a mudança dos comportamentos individuais, o que tem mostrado ser absolutamente ineficaz ao longo dos anos em que a epidemia da obesidade tem vindo a progredir. Começa a ser tempo de reflectir sobre formas alternativas de encarar a resolução deste problema. Com efeito, é possível identificar alguns factores como causas sistémicas que contribuem para a preferência individual por alimentos menos saudáveis e pelo sedentarismo e que têm contribuído para o aparecimento e crescimento da obesidade.
Dados epidemiológicos mostram que, embora sendo um problema transversal a todos os níveis socioeconómicos, a obesidade afecta predominantemente grupos com menores rendimentos e de menor escolaridade.
Por outro lado, constata-se que algumas transformações na organização da vida social são facilitadoras do problema:
1. transição do campo para a cidade com abandono progressivo de uma vida activa no sector primário para um estilo de vida sedentário característico da actividade no sector dos serviços;
2. introdução de ritmos de trabalho, com o abandono progressivo dos horários de trabalho e inexistência de pausas laborais, que impedem uma ingestão de alimentos em ambientes e com tempo adequado;
3. residência em dormitórios na periferia das cidades, longe dos locais de exercício da actividade profissional, implicando perdas de tempo em transportes e stresse associado, que levam a redução dos tempos de lazer, com diminuição, nomeadamente do tempo disponível para cozinhar os alimentos e indisponibilidade para a prática de exercício físico;
4. mas não só a falta de tempo, também a subordinação ao império do cimento implica uma cada vez maior escassez de espaços aprazíveis para se andar, ainda agravda pela cada vez maior insegurança reinante nessas zonas;
5. a alguns aspectos desta realidade respondeu a indústria alimentar, indo ao encontro das necessidades dos cidadãos e perseguindo os seus objectivos de crescimento, com a proliferação das actividades de processamento alimentar especialmente ricos em gordura e açúcares, alimentos saciantes, de bom paladar e de baixo custo, que têm, por isso, uma boa relação custo-benefício imediata para o comprador. Mas à custa da criação de um ambiente tóxico pelo seu teor de alta densidade calórica.

Assim sendo, que novas atitudes se impõem para combater este problema de saúde pública e criar um futuro mais livre de obesidade?
É necessário mudar, começando por transferir o foco do combate da alteração dos comportamentos individuais, que tem mostrado ser uma estratégia ineficaz, para uma intervenção prioritária da sociedade, com modificações das políticas de desenvolvimento a vários níveis: promoção do bem-estar social e combate sério à pobreza, melhoria das condições no trabalho, desenvolvimento de novos tipos de urbanismo, regulação da indústria e das suas estratégias de marketing. Ou seja o Estado tem de assumir o seu papel de responsável moral pela protecção dos cidadão relativamente às ameaças que se colocam às suas vidas e interesses, de acordo com o conceito de Contrato Social proposto já no século XVII por Thomas Hobbes, tanto mais que não só está em causa a saúde individual como há uma ameaça real para a sociedade. Fê-lo no caso do tabaco ou das medidas de limitação de velocidade ou uso obrigatório do cinto de segurança com eficácia demonstrada, é tempo de intervir também no caso da obesidade, facilitando a opção individual por estilos de vida mais saudáveis.
Alguns sectores têm argumentado que o Estado não deve e nem sequer tem o direito de condicionar a liberdade individual, cabendo-lhe antes o papel de assegurar a livre interacção dos agentes envolvidos. No que respeita ao problema da obesidade já se referiu que afecta primordialmente grupos socioeconomicamente desprotegidos os quais tiveram frequentemente um processo de socialização com forte controlo de locus externo, isto é, que aceitam facilmente a ideia de que as coisas lhes acontecem sem uma grande capacidade de intervenção perante aquilo que «eles» (as autoridades) lhes impõem. E, como refere Holm, «actos voluntários são aqueles que se escolhem livremente, não instintivos e não condicionados pela sociedade em que se vive e que não são determinados por factores externos». Também por este motivo, se justifica a intervenção reguladora do Estado.
Contrariamente, ao caso do tabaco, o recurso aos impostos penalizadores de tipos de alimentos menos saudáveis é uma opção duvidosa e possivelmente injusta, pois acabaria por ser uma dupla penalização para os mais fracos, além de que enquanto fumar não é obrigatório, comer é uma actividade vital.
Outras medidas, como a limitação da distribuição de alimentos nefastos nas escolas e noutros locais e a intervenção no sentido da proibição da publicidade desses produtos, são medidas muito mais viáveis e com resultados potencialmente eficazes.
Por vezes, tem a Indústria alimentar nos últimos tempos reivindicado um papel de parceiro neste combate. Temos de reconhecer que não é essa a vocação das organizações. Na sociedade capitalista, como é referido num comentário recente da JAMA, as suas prioridades serão sempre prioritariamente a geração de valor para o accionista e isso passa por convencerem os consumidores a comerem mais, doses maiores e a fazê-los preferir alimentos processados, os quais garantem maiores margens de lucro. Não se desvalorizando algumas iniciativas de empresários de maior visão, como refere esse mesmo artigo, acreditar no seu papel para reduzir o problema seria o mesmo que «deixar à indústria automóvel o papel de reduzir a sisnistralidade nas estradas ou os problemas do aquecimento global».
Em resumo, a responsabilidade individual por se ser obeso é bastante questionável e as estratégias de resolução que passem pela modificação de comportamentos individuais como forma de combater o problema são discutíveis e têm mostrado ser bastante ineficazes. A obesidade é um problema de saúde pública que só pode ser resolvido por medidas iminentemente políticas, cabendo ao Estado um papel determinante na resolução das causas do disfuncionamentos social que leva a que os cidadãos a optar por estilos de vida nefastos. Até que se criem as condições de opção livre dos cidadãos pelos seus estilos de vida, compete ao Estado suportar os custos do problema.

1 comentário:

Francisco Castelo Branco disse...

Se temos excesso de peso porque a barriga está inchada, como fazer para perder peso? apesar de praticar desporto ?