Afirma-se que se está a construir algo novo e alguma renovação é sentida dentro de quem ouve. Este pode ser, realmente, um grande hospital, quando souber deixar de repousar nalgum passado duvidoso e acreditar num futuro de rigor. Mas é muito de velho a cair para que o novo prevaleça. Tenho mais vontade de acreditar do que acredito, confesso. Mas vou continuar, apesar da dúvida.
Será que a conversa da irreversibilidade do processo é o anúncio de alguma partida? Mas porque quererão os homens ir mais além quando ainda não chegaram ao fim da obra que começaram?
terça-feira, outubro 31, 2006
domingo, outubro 29, 2006
Dia de pausa
sábado, outubro 28, 2006
A culpa é deles
Em jeito de resposta ao anónimo que me questiona sobre a culpa de aqui estar (hoje outra vez!): Só um país muito rico pode, na verdade, aceitar uma coisa destas, isto é, manter um médico de urgência a pagar-lhe mais de 20 euros por hora (preço base sem custo de horas extra...) para fazer coisas mínimas que qualquer outro no serviço de urgência geral poderia assegurar sem prejuízo para os doentes. São estes luxos, quantas vezes estimulados pelos interessados, que comprometem a viabilidade de sistemas públicos de saúde e que urge corrigir em nome da defesa do serviço nacional de saúde. Às administrações cabe terem um papel mais incisivo na resolução destas situações de desperdício. Por mim acabariam com a sensação de vazio renovada a que isto sempre me leva. Portanto, a culpa chama-se Direcção de Serviço, Direcção Clínica, Conselho de Administração e afins. Está apontado o dedo! Eu sou obrigado, nada mais. Sempre que posso denuncio. Mais uma vez.
sexta-feira, outubro 27, 2006
Vazio
Ao menos o deserto tem boas vistas em noites de luar. Aqui nem isso. Apenas vazio a toda a volta. Um vómito absoluto.
quarta-feira, outubro 25, 2006
Regresso a momentos recentes
Outros de antes ainda virão. Estão dormentes em apontamentos dispersos à espera que dias de maior serenidade me cheguem. A pressa fez de um Ambulatório tranquilo um quase embrulhatório, onde a correcção dos desvarios me tem ocupado os dias numa tentativa, cada vez mais conseguida, de desembrulhar um novelo embaraçado, como fazia em pequeno a dois, cada um sabendo bem o que tem de fazer, com concentração e sem interferências externas.
22:52:58
Última partida da viagem, mas no torpor em que estava comecei a achar estranho que o avião continuasse a rolar na pista ao fim de tanto tempo. Estava já no ar.
26:06:03
É confortável este avião da Air Malaysia, quer no silêncio dos motores, quer na ergonomia das cadeiras. Mas nem isso me permite dormir depois do jantar. Estou trocado. Vou passear corredor abaixo, corredor acima. Usam vendas, cabeças tapadas com cobertores, jogam tetris, xadrez, vêem filmes, lêem, dormem simplesmente alguns. É curioso ver assim toda esta gente num transporte público. Ao contrário das viagens de carro ou de comboio, aqui não se viaja, espera-se só que se atinja o fim. Num ambiente quase sem luz, vamos andando.
26:43:47
O bonequinho do avião atinge a costa norte da Austrália, algures a oeste de Darwin entrando pelo Northern Territory. Meio avião dorme, eu procuro o sono.
….
Dormi. Passo por Brisbane e o sol nasceu pela segunda vez no mesmo dia.
32:32:57
Aterro finalmente em Auckland trinta e duas horas, trinta e dois minutos e cinquenta e sete segundos depois. Tudo porque vim à volta. Estivesse o Júlio Verne no activo e teríamos uma viagem de elevador, descendo primeiro até ao centro da Terra e subindo(?) depois até Auckland, numa qualquer travessia do planeta em elevador.
Primeiros contactos com o outro lado do mundo
Descida mesmo foi a da temperatura, dos 30ºC de Kuala Lumpur aqui não estão mais de 15. Passa-se por cenários de vidros com desenhos de pássaros e ramos de árvores (deve ser para me fazer lembrar as portas de vidro no novo hospital onde trabalho…) até à espera das malas. É nessa altura que chega o Beagle que desata a cheirar-me a mochila e começa o interrogatório: foi você que fez a mala? Que sim, digo. Tem comida aí dentro? Não sei, balbucio. Como não sabe se fez a mala? Começo a dizer que já a fiz várias vezes, mas não me lembro se lá terei posto comida. A polícia funcionária, pede-me para responder se sim, se não. Terei ou não uma bolacha? Um caroço de pêssego roído? Sei lá, porra! Esta gaja com treino de cão começa a irritar-me. Não ri, não entende nada. Yes or No. Não me lembro, que cheire ela dentro da mochila! Busca, rebusca e não há comida. A mulher fica com ar passado, como se não estivesse a entender que o Beagle possa ser demasiado sensível e bem menos específico. Na confusão nem reparei se era uma cadelita Beagle. Aí tudo estaria explicado. Estaria a cheirar-lhe a Bite!
Enquanto isto, chegaram as malas, o que é sempre um instante de alívio depois de duas transferências de bagagens. Assim, até fico com pena destes ilhéus sempre com medo de os infectarmos. No inquérito além da comida perguntavam se tinha tido contactos com animais, se tinha acampado recentemente, se trazia botas de caminhada. Portanto, fica registado que quando se vem à Nova Zelândia se devem trazer umas Timberland velhas, os tipos à entrada devem dar-nos umas novas, talvez…
Depois de sair, quase me sinto estrela ao ver aquele cartaz com os nossos nomes. Estes somos nós, e logo avança um cidadão aparentemente retired com ar de motorista de série da BBC, com o seu wellcome/Kia Ora contido e absolutamente correcto. Chuvisca. Entre conversa de circunstância, chega-se ao Heritage, uma revitalização de antigo Grande Armazém, para a urgência de um banho.
O corpo está mole, mas a ideia é não lhe dar sossego até à noite daqui, minha manhã ainda talvez.
Dois quarteirões ao lado, fica a Queen St, espécie de Rua Augusta, rua central nesta disposição de aberturas rasgadas até ao mar (a Norte) que Auckland possui dirigidas daí para o Sul. A chuva começa rapidamente a resolver-se. Devem ter-lhe dito que tínhamos chegado à cidade. Assim, vamos pela Queen St até ao porto, como todas as instalações portuárias convertidas em restaurantes e depois não parámos enquanto não entrámos numa Igreja numa habitual reza pela alma das pernas.
Em passagem entrámos no Museu de Arte de Auckland com entrada gratuita à segunda-feira. Assim, só têm protesto nos outros dias da semana. Rigorosamente, a não entrar de terça a domingo, a qualquer hora. A seguir caminhamos pelo Jardim Albert e chegámos à Universidade de Auckland em direcção para leste. Continuando a andar, só acabámos em Parnell, bairro a leste com casas rasteiras, de madeira, como num filme de charme. Ainda avistámos o Auckland Museum, onde tínhamos já decidido só ir no dia seguinte.
Quase nem consegui jantar com o peso das sobrancelhas. Devo ter entrado em coma rapidamente; pelas sete da tarde, ainda cheio de projectos para resistir ao jetlag. Projectos, rapidamente adiados.
Versão Auckland em 24 horas
Começa-se com um pequeno almoço na Vulcan Lane, onde, dizia o guia, comiam os locais. No Vulcan encontrámos alguns a tomar o pequeno-almoço e decidimos fazer-lhes companhia.
Enquanto o panini não desaparece, entro na origem da humanidade. Era uma vez Ranguinui (Pai Céu) e Papatuanuku (Mãe Terra), que estavam ligados. Tiveram muitos filhos, os mais importantes de todos foram Tawhiri-matea (Deus dos Ventos e Tempestades), Tangaroa (Deus dos Oceanos), Tane-mahuta (Deus das Floresytas), Haumia-tike-tike (deus dos Alimentos Silvestres), Rongo-matane (Deus da Paz e dos Alimentos Cultivados) e Tu-matuenga (Deus da Guerra e dos Homens).
Depois de muito tempo às escuras porque a união de Ranguinui e Papatuanaku não deixava a luz entrar, os filhos quiseram ver a luz. Depois de discutirem o que fazer, decidiram separar os pais para que a luz pudese entrar no mundo. Coube a Tane-mahuta o feito de conseguir separar os pais e fazer assim entrar a luz no mundo. Porque só havia homens e uma sociedade assim não tinha graça, foi também Tane quem criou a mulher, Hine-ahune. Com ela tiveram uma filha, Hine-Titama, que veio a casar com Tane e assim nasceu a humanidade (com grande vergonha de Hine-titama quando veio a descobrirque o seu marido era também o seu pai). Uma origem complicada como se vê ou outra coisa não poderia ter sido, basta ver o que por aí vai.
Esta história Maori até tem graça, mais não seja por mostrar o que as crenças representam: geralmente, ignorância ou tentativas de explicar o desconhecido. Pena que nos dias de hoje, depois de tanto conhecimento adquirido ainda sejam alegadamente as crenças que separam judeus e árabes por exemplo. Ou talvez as separações tenham outras causas.
E se a origem do mundo foi assim, a origem de todos os caminhos em Auckland é em Britomart. Começa com um bilhete de 10 dólares que dá direito a todas as viagens que se possam consumir em 24 horas. Só no balcão das informações é possível aceder a alguma fiável. Tudo o que se pergunte a quem anda pela rua ou aos próprios motoristas dos autocarros é perfeitamente inútil. Ninguém sabe orientar-se nesta terra, embora até pareçam ter alguma boa vontade para nos dizerem o caminho. Simplesmente não sabem e sem conhecimento não há boa vontade que valha.
Primeira viagem do dia: chegada às 11h ao Auckland Museum que vale fundamentalmente para ver a Manaia, uma representação de cultura Maori (dança, canções, jogos). O resto é arte Maori e memorial da participação da Nova Zelândia em várias guerras.
Depois da visita, voltámos à origem das viagens e apanhámos o ferry para Devonport. É aquela viagem que se faz de Lisboa a Cacilhas, de São Francisco a Sausalito ou de Salvador a Itaparica. Aqui vai-se ver o Monte Victoria, o vulcão onde depois da erupção da lava, colocaram baterias anti-aéreas para outras deflagrações. De lá tem-se a linha de céu de Auckland e toda a frente marítima (um passeio que dizem ter 16 km). Visitado o Monte, desce-se até o porto parando antes no Sierra, junto à estação dos Correios, para comer uma sandocha enquanto se ouve Cesária Évora. Há restaurantes assim, em que o melhor é o que se ouve e a ida à casa de banho. Esta fica num pátio interior, tem um metro quadrado e uma porta com fecho improvisado por mau cálculo do artista (há engenheiros Mendes em todo o lado). Mas a obra acabou por sair bem depois de soldado no fecho uma pecinha. Isto mostra-me que aqui ainda há tempo para gastar no improviso, o que será bem melhor que a precisão absoluta que leva ao desperdício.
De novo a caminho da origem de todas as viagens, Britomart, para partir para o Monte Éden, outro vulcão com boa vista sobre a cidade. Eu que já tinha ido a uma das catedrais de São Pedro dos vulcões, o Vesúvio, fiquei com uma sensação de saber a pouco. Mas em vez da aridez da cratera ainda com restos de fumaça, aqui aparece-me uma cratera relvada e para mais sagrada. São 360º de vistas sobre Auckland e subúrbios.
Voltados a Britomart mais uma vez para uma ida até Ponsoby e a K St. Era já pouco do que faltava na check-list do a visitar em Auckland. Chegámos já depois do pôr do sol e pedimos ao motorista que nos dissesse onde era. Mais ou menos como pedir ao motorista no autocarro para Benfica nos avise onde é Benfica… Matreiro, quando chegámos perguntou-nos onde queríamos ir. A Ponsoby! Ok, podem sair e andar a pé umas três horas por aí. Lá nos orientámos com boas vistas sobre a cidade à noite e ainda percorremos a K St, de artistas, restaurantes vazios e clubes nocturnos.
Virámos a pé para a já nossa bem conhecida Queen St, a tal Rua Augusta que leva até ao mar. Enquanto procurávamos um restaurante no centro da cidade, chegou o Link que faz o giro no sentido contrário aos ponteiros do relógio. Andou 100 metros na Queen St e saiu dela em menos de nada continuando em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio a fazer-nos um flashback dos percursos da manhã, passando pelo Museu e acabando em Parnell St. E assim, absolutamente ao acaso, acabámos a jantar no Oh Calcutá, um restaurante indiano. A comida satisfez, a conta 2 por 1 ainda mais.
Poderiam ser 11 da noite, mas afinal ainda eram só 9 e deu para começar a escrever parte disto, acabado já hoje no aeroporto enquanto espero pelo avião para Christchurch, depois de umas pedaladas no health club e um banho de sol breve, junto à piscina do Heritage.
Christchurch numa tarde
A maior cidade da Ilha do Sul é bem mais pequena para um turista apressado. Depois de instalado no Heritage, mesmo ao lado da praça principal da cidade, a da Catedral, inicia-se a visita, exactamente pela dita feita de pedra branca e cinzenta num efeito final bem interessante. A visita à torre não pode ser feita para grande satisfação das nossas pernas. Esta catedral anglicana é lugar de culto e das mais variadas vendas desde a autorização para fazer fotografias ao ao marchandising e até tem um café aberto ao público. Sentido prático que leva a que numa igreja também se crie um playcenter para os mais miúdos que se chateiam com as homilias. No largo da catedral um enorme cálice aí colocado pela altura do milénio e a velha estação dos correios transformada em Centro de Visitantes. Oportunidade para comprar agasalhos com receios de frio nos próximos dias.
Depois Christchurch é uma linha que vai pelo Mall, até ao arco de triunfo já nas margens do Rio Avon, onde os chorões napoleónicos ainda se debruçam, fazendo ocasionalmente sombra aos patos. Nas margens são resturantes e mais além o Centro das Artes, que a esta hora já tardia tem como atracção principal o Dux de Lux, onde o marisco é fresco e os vegetais dominam.
A noite anunciava-se de repouso que o Heritage a isso convidava. Mas podem sempre ficar no quarto do lado umas bestas em orgia. É raro, mas aconteceu.
6-10-06
De Ceduna a Caiguna
A etapa mais longa. Grande, muito grande mesmo, pela visão das baleias em Head of Bight numa dança sossegada com as crias. O resto é quase nada, passando pela estranheza de uma fronteira entre Estados, onde se recolhe o mel e a fruta de quem passa. Que lhes faça bom proveito. A mim chateia-me esta assepsia, mas não tenho nada com isso, afinal.
Aqui dá para perceber que um deserto pode ser bem mais cheio do que se pensa. Na rolagem dos quilómetros, passando sobre pistas de aterragem de Flying doctors, pensa-se no fim que se procura e sente-se que se está algures noutro sítio. Onde vale a pena estar, vale mesmo muito a pena, é nas planícies douradas antes de Caiguna com o sol a pôr-se à direita, pintando o dourado, cada vez de mais quente, quase até começar a doer continuar a andar. E na paragem a visão não cabe na máquina por mais disparos que se façam. Simplesmente, fica-se a olhar para a visão mais quente da viagem e de muitas outras já andadas, tentando impressionar de forma indelével os neurónios da memória de que, por vezes, já duvido.
Depois desses instantes, pode vir a lua cheia sobre as árvores e o sono nesta terra de 10 pessoas atípicas e cobertas de algumas nódoas. O mundo é mesmo grande, não adianta nada minimizá-lo ao tamanho de pequeninas coisas que nunca poderão apagar a memória de um pôr-do-sol perto de Caiguna.
7-10-06
De Caiguna a Esperance
É preciso uma recta assim, com 145 km entre Caiguna e Balladonia, envolta em 360º de nada, para se perceber o tamanho do mundo. Primeiro torna-se óbvio que o mundo é redondo, embora os sentidos nos enganem, mas isso nem é o que mais importa. Importante é a pequenês dos pequenos a quem literalmente, a partir desta recta, me vai dar vontade de mandar passear. Nesta recta do tamanho do mundo é possível esquecê-los e lembrar-me de ir comprar giz para fazer desenhos no chão da cozinha, repetindo, na viagem da casa à drogaria, a lenga-lenga do quero um pau de giz se faz favor. E passa muita gente por quem passei e me deixa, agora, sorrir a alguns dos que temi. Ficam lá nos sítios que habitam e onde já há muito os não encontrava. Uma recta deste tamanho, deixa-os do tamanho que têm. Onde andará o Matateu, o aborígene que encontrei de navalha afiada naquela subida da rua dos Soeiros?
E passamos Balladonia onde houve um acontecimento há uns anos. Nada mais nada menos do que um resto do Skylab aqui caiu, tornando a terra mais conhecida aos que nela habitam na sua necessidade de protagonismo. Porque não basta ser mediano, ser simplesmente como os outros? De onde esta necessidade de ser maior ou diferente?
Cerca de 200 km depois faz-se um gancho em Norseman deixando Kalgoorlie e a Rock Wave à distância do provavelmente nunca verei, e ruma-se a Esperance com um desanuviar progressivo, apesar da direcção do mar. Ventosa, junto a um pontão com ilhas ao longe. Uma volta de quase 40 km mostra praias, algumas das cem ilhas que habitam o mar aqui ao perto e um lago que, quando choveu menos, é rosado.
15-10-06
Já há quase um mês que não sei notícias do meu país. Provavelmente, é um lugar que não existe ou onde nada existe que valha a pena. Se não existisse uma coisa a que chamam o meu país, o que lá acontece não acontecia, porque tirando a importância que lhe dão os que lá existem, mais ninguém fala deste país. É bom não haver notícias do meu país, sinal de que lá deve haver sol e uns arranhões costumeiros entre as tribos que lá moram, que não sendo notícia provavelmente não têm a importância que lhes dão as tribos que os produzem.
Em Amesterdão está cinzento como sempre e ninguém fala deste país também ele chato e chão. Bom sinal. Na verdade poderíamos muito bem viver sem as notícias dos nossos países ou mesmo sem os países de que somos. Os aeroportos são isto, gente de muitos países que passam e sorriem muitas vezes apesar de serem de muitos países. Assim deixados, não tem importância que leiam na viagem o Corão ou um qualquer policial, sorriem uns aos outros como se não fossem de países diferentes. Gente que foge das notícias e vive bem assim. Quem os torna diferentes e coloca nas aberturas dos telejornais?
Por mim vejo mais diferenças nas bâncsias da Austrália e nas pinhas do pinheiro bravo do meu país, mas as duas são pinhas do meu país maior, aquele que não precisa de pequenos países para existir, com toda a diversidade.
19-10-06
Voltei hoje aos bancos da escola. De uma escola diferente onde me falam do mundo que aí está sem que o queira aceitar muito bem como está. A primeira impressão é que vão ser aulas que o explicam, que me ajudarão, talvez, a percebe-lo melhor e às batotas que o gerem. Porque o objectivo de uma humanidade tem de ir além da geração de valor, por um imperativo maior, por um Valor muito mais importante do que os pequenos valores que, dizem, serem os nossos objectivos de gestão.
20-10-06
De alguma forma, este jantar está a continuar a minha primeira aula de Gestão. Numa demonstração das ideias de Michael Porter, neste restaurante de onde espreitamos a Acrópole iluminada lá no alto, há duas mesas, a dos médicos dos países desenvolvidos e a nossa. Aparentemente tudo é igual e vamos comer da mesma comida e beber do mesmo vinho. A diferença é que naquela mesa está o conhecimento que permitiu que estivéssemos nós, aqui à mesa também. Nós os vendedores que induzimos o consumo do que eles produzem. Um mundo em que uns fazem e os outros consomem não nos deve espantar que tenha diferenças. O maior problema é que ainda alguns aqui pensam que os espertos somos nós que temos o mesmo jantar despendendo menos esforço. Mas cada vez mais espertalhões não irão sobreviver muito tempo e, em breve, a comida será distribuída doutra forma.
21-10-06
Vã glória de pequenos prazeres de hotéis de charme. Do que se enche a vida das pessoas! A ilusão da grandeza sem perceber o seu absurdo.
22-10-06
Vinte e seis anos depois, vista aqui da Acrópole a cidade a perder de branco continua como sempre foi, uma mancha sem resolução. Na ingenuidade da guia elogia-se a inexistência de prédios altos e a grande vantagem de em qualquer ponto de Atenas se poder ver a Acrópole. O prazer de ver a ruína a toda a hora, sem o remorso das razões por que aconteceu uma civilização ter cedido a sua liderança. Contemplando estas pedras, sorrio na certeza de que todos os Impérios, por mais fortes que sejam, acabarão por cair um dia. O problema até agora tem sido que são substituídos por outros, não necessariamente melhores. Como um castigo da espécie que os gera e tolera.
Vista ao perto, a mancha perde o imaculado do branco e fica disforme e mal cheirosa nas montanhas de lixo não recolhido. Os passeios são estreitos, os automóveis omnipresentes apertam-nos contra as paredes dos prédios tornando desconfortável o andar a pé. Os prédios vistos de mais perto são monotonamente horrendos de feios, fazendo uma cidade chata e sem graça.
Tanta indisciplina e desordenamento faz-me ter saudades do excesso de ordem das ruas das cidades da Austrália. Afinal, o caminho da evolução não está assim tão mal definido, tem direcção.
Boa é a imagem da cidade obscurecida na noite e a Acrópole iluminada vista de longe, do último piso do Hotel St George.
23-10-06
Rever um restaurante onde houve na primeira vez a vontade de voltar é agradável. Mas ainda não foi desta que a companhia era a mais certa. E nisto dos restaurantes, às vezes, a comida nem é o principal. É mais com quem se come, apesar de ser no Ithaki.
24-10-06
Não me acontece muitas vezes, estar hoje com mais vontade de viajar no regresso do que no dia em que parti. Realmente, fiz esta viagem sem grande entusiasmo e, além de algum descanso que me deu, não vou ficar com mais saudades. Apesar de Atenas estar diferente da que vi há muitos anos ou até há dois. Tem auto-estradas e um Metro simpático. Continuam a vaguear os cães, a dormirem esparramados pelo chão. O lixo salta dos caixotes. Para qualquer fumador é uma Meca. Por vezes, os gregos riem, um riso meio triste, todavia. Não serão os únicos que riem sem sentido.
Enquanto passeio na Plaka, lembro-me dos receios infundados de outros. Há gente que sem fazer grande coisa na vida, teme, possivelmente, mais a vida do que a morte, sem perceber que o medo de viver é a mais desgraçada das mortes. Não admira, todos os dias nos impingem esta cultura do medo em nome de uma vida mínima, afastando-nos de todo a ideia épica de uma morte gloriosa, que garanta uma vida que valha a pena.
Isto escrevi em Atenas enquanto aguardava o avião atrasado para Milão. Mais logo quando chegava a Lisboa vi um avião silencioso, passageiros a fazer que dormiam, antes do enorme alívio de chegar a terra, depois de um desce e sobe difícil de passar. Lisboa envolta em temporal à chegada.
22:52:58
Última partida da viagem, mas no torpor em que estava comecei a achar estranho que o avião continuasse a rolar na pista ao fim de tanto tempo. Estava já no ar.
26:06:03
É confortável este avião da Air Malaysia, quer no silêncio dos motores, quer na ergonomia das cadeiras. Mas nem isso me permite dormir depois do jantar. Estou trocado. Vou passear corredor abaixo, corredor acima. Usam vendas, cabeças tapadas com cobertores, jogam tetris, xadrez, vêem filmes, lêem, dormem simplesmente alguns. É curioso ver assim toda esta gente num transporte público. Ao contrário das viagens de carro ou de comboio, aqui não se viaja, espera-se só que se atinja o fim. Num ambiente quase sem luz, vamos andando.
26:43:47
O bonequinho do avião atinge a costa norte da Austrália, algures a oeste de Darwin entrando pelo Northern Territory. Meio avião dorme, eu procuro o sono.
….
Dormi. Passo por Brisbane e o sol nasceu pela segunda vez no mesmo dia.
32:32:57
Aterro finalmente em Auckland trinta e duas horas, trinta e dois minutos e cinquenta e sete segundos depois. Tudo porque vim à volta. Estivesse o Júlio Verne no activo e teríamos uma viagem de elevador, descendo primeiro até ao centro da Terra e subindo(?) depois até Auckland, numa qualquer travessia do planeta em elevador.
Primeiros contactos com o outro lado do mundo
Descida mesmo foi a da temperatura, dos 30ºC de Kuala Lumpur aqui não estão mais de 15. Passa-se por cenários de vidros com desenhos de pássaros e ramos de árvores (deve ser para me fazer lembrar as portas de vidro no novo hospital onde trabalho…) até à espera das malas. É nessa altura que chega o Beagle que desata a cheirar-me a mochila e começa o interrogatório: foi você que fez a mala? Que sim, digo. Tem comida aí dentro? Não sei, balbucio. Como não sabe se fez a mala? Começo a dizer que já a fiz várias vezes, mas não me lembro se lá terei posto comida. A polícia funcionária, pede-me para responder se sim, se não. Terei ou não uma bolacha? Um caroço de pêssego roído? Sei lá, porra! Esta gaja com treino de cão começa a irritar-me. Não ri, não entende nada. Yes or No. Não me lembro, que cheire ela dentro da mochila! Busca, rebusca e não há comida. A mulher fica com ar passado, como se não estivesse a entender que o Beagle possa ser demasiado sensível e bem menos específico. Na confusão nem reparei se era uma cadelita Beagle. Aí tudo estaria explicado. Estaria a cheirar-lhe a Bite!
Enquanto isto, chegaram as malas, o que é sempre um instante de alívio depois de duas transferências de bagagens. Assim, até fico com pena destes ilhéus sempre com medo de os infectarmos. No inquérito além da comida perguntavam se tinha tido contactos com animais, se tinha acampado recentemente, se trazia botas de caminhada. Portanto, fica registado que quando se vem à Nova Zelândia se devem trazer umas Timberland velhas, os tipos à entrada devem dar-nos umas novas, talvez…
Depois de sair, quase me sinto estrela ao ver aquele cartaz com os nossos nomes. Estes somos nós, e logo avança um cidadão aparentemente retired com ar de motorista de série da BBC, com o seu wellcome/Kia Ora contido e absolutamente correcto. Chuvisca. Entre conversa de circunstância, chega-se ao Heritage, uma revitalização de antigo Grande Armazém, para a urgência de um banho.
O corpo está mole, mas a ideia é não lhe dar sossego até à noite daqui, minha manhã ainda talvez.
Dois quarteirões ao lado, fica a Queen St, espécie de Rua Augusta, rua central nesta disposição de aberturas rasgadas até ao mar (a Norte) que Auckland possui dirigidas daí para o Sul. A chuva começa rapidamente a resolver-se. Devem ter-lhe dito que tínhamos chegado à cidade. Assim, vamos pela Queen St até ao porto, como todas as instalações portuárias convertidas em restaurantes e depois não parámos enquanto não entrámos numa Igreja numa habitual reza pela alma das pernas.
Em passagem entrámos no Museu de Arte de Auckland com entrada gratuita à segunda-feira. Assim, só têm protesto nos outros dias da semana. Rigorosamente, a não entrar de terça a domingo, a qualquer hora. A seguir caminhamos pelo Jardim Albert e chegámos à Universidade de Auckland em direcção para leste. Continuando a andar, só acabámos em Parnell, bairro a leste com casas rasteiras, de madeira, como num filme de charme. Ainda avistámos o Auckland Museum, onde tínhamos já decidido só ir no dia seguinte.
Quase nem consegui jantar com o peso das sobrancelhas. Devo ter entrado em coma rapidamente; pelas sete da tarde, ainda cheio de projectos para resistir ao jetlag. Projectos, rapidamente adiados.
Versão Auckland em 24 horas
Começa-se com um pequeno almoço na Vulcan Lane, onde, dizia o guia, comiam os locais. No Vulcan encontrámos alguns a tomar o pequeno-almoço e decidimos fazer-lhes companhia.
Enquanto o panini não desaparece, entro na origem da humanidade. Era uma vez Ranguinui (Pai Céu) e Papatuanuku (Mãe Terra), que estavam ligados. Tiveram muitos filhos, os mais importantes de todos foram Tawhiri-matea (Deus dos Ventos e Tempestades), Tangaroa (Deus dos Oceanos), Tane-mahuta (Deus das Floresytas), Haumia-tike-tike (deus dos Alimentos Silvestres), Rongo-matane (Deus da Paz e dos Alimentos Cultivados) e Tu-matuenga (Deus da Guerra e dos Homens).
Depois de muito tempo às escuras porque a união de Ranguinui e Papatuanaku não deixava a luz entrar, os filhos quiseram ver a luz. Depois de discutirem o que fazer, decidiram separar os pais para que a luz pudese entrar no mundo. Coube a Tane-mahuta o feito de conseguir separar os pais e fazer assim entrar a luz no mundo. Porque só havia homens e uma sociedade assim não tinha graça, foi também Tane quem criou a mulher, Hine-ahune. Com ela tiveram uma filha, Hine-Titama, que veio a casar com Tane e assim nasceu a humanidade (com grande vergonha de Hine-titama quando veio a descobrirque o seu marido era também o seu pai). Uma origem complicada como se vê ou outra coisa não poderia ter sido, basta ver o que por aí vai.
Esta história Maori até tem graça, mais não seja por mostrar o que as crenças representam: geralmente, ignorância ou tentativas de explicar o desconhecido. Pena que nos dias de hoje, depois de tanto conhecimento adquirido ainda sejam alegadamente as crenças que separam judeus e árabes por exemplo. Ou talvez as separações tenham outras causas.
E se a origem do mundo foi assim, a origem de todos os caminhos em Auckland é em Britomart. Começa com um bilhete de 10 dólares que dá direito a todas as viagens que se possam consumir em 24 horas. Só no balcão das informações é possível aceder a alguma fiável. Tudo o que se pergunte a quem anda pela rua ou aos próprios motoristas dos autocarros é perfeitamente inútil. Ninguém sabe orientar-se nesta terra, embora até pareçam ter alguma boa vontade para nos dizerem o caminho. Simplesmente não sabem e sem conhecimento não há boa vontade que valha.
Primeira viagem do dia: chegada às 11h ao Auckland Museum que vale fundamentalmente para ver a Manaia, uma representação de cultura Maori (dança, canções, jogos). O resto é arte Maori e memorial da participação da Nova Zelândia em várias guerras.
Depois da visita, voltámos à origem das viagens e apanhámos o ferry para Devonport. É aquela viagem que se faz de Lisboa a Cacilhas, de São Francisco a Sausalito ou de Salvador a Itaparica. Aqui vai-se ver o Monte Victoria, o vulcão onde depois da erupção da lava, colocaram baterias anti-aéreas para outras deflagrações. De lá tem-se a linha de céu de Auckland e toda a frente marítima (um passeio que dizem ter 16 km). Visitado o Monte, desce-se até o porto parando antes no Sierra, junto à estação dos Correios, para comer uma sandocha enquanto se ouve Cesária Évora. Há restaurantes assim, em que o melhor é o que se ouve e a ida à casa de banho. Esta fica num pátio interior, tem um metro quadrado e uma porta com fecho improvisado por mau cálculo do artista (há engenheiros Mendes em todo o lado). Mas a obra acabou por sair bem depois de soldado no fecho uma pecinha. Isto mostra-me que aqui ainda há tempo para gastar no improviso, o que será bem melhor que a precisão absoluta que leva ao desperdício.
De novo a caminho da origem de todas as viagens, Britomart, para partir para o Monte Éden, outro vulcão com boa vista sobre a cidade. Eu que já tinha ido a uma das catedrais de São Pedro dos vulcões, o Vesúvio, fiquei com uma sensação de saber a pouco. Mas em vez da aridez da cratera ainda com restos de fumaça, aqui aparece-me uma cratera relvada e para mais sagrada. São 360º de vistas sobre Auckland e subúrbios.
Voltados a Britomart mais uma vez para uma ida até Ponsoby e a K St. Era já pouco do que faltava na check-list do a visitar em Auckland. Chegámos já depois do pôr do sol e pedimos ao motorista que nos dissesse onde era. Mais ou menos como pedir ao motorista no autocarro para Benfica nos avise onde é Benfica… Matreiro, quando chegámos perguntou-nos onde queríamos ir. A Ponsoby! Ok, podem sair e andar a pé umas três horas por aí. Lá nos orientámos com boas vistas sobre a cidade à noite e ainda percorremos a K St, de artistas, restaurantes vazios e clubes nocturnos.
Virámos a pé para a já nossa bem conhecida Queen St, a tal Rua Augusta que leva até ao mar. Enquanto procurávamos um restaurante no centro da cidade, chegou o Link que faz o giro no sentido contrário aos ponteiros do relógio. Andou 100 metros na Queen St e saiu dela em menos de nada continuando em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio a fazer-nos um flashback dos percursos da manhã, passando pelo Museu e acabando em Parnell St. E assim, absolutamente ao acaso, acabámos a jantar no Oh Calcutá, um restaurante indiano. A comida satisfez, a conta 2 por 1 ainda mais.
Poderiam ser 11 da noite, mas afinal ainda eram só 9 e deu para começar a escrever parte disto, acabado já hoje no aeroporto enquanto espero pelo avião para Christchurch, depois de umas pedaladas no health club e um banho de sol breve, junto à piscina do Heritage.
Christchurch numa tarde
A maior cidade da Ilha do Sul é bem mais pequena para um turista apressado. Depois de instalado no Heritage, mesmo ao lado da praça principal da cidade, a da Catedral, inicia-se a visita, exactamente pela dita feita de pedra branca e cinzenta num efeito final bem interessante. A visita à torre não pode ser feita para grande satisfação das nossas pernas. Esta catedral anglicana é lugar de culto e das mais variadas vendas desde a autorização para fazer fotografias ao ao marchandising e até tem um café aberto ao público. Sentido prático que leva a que numa igreja também se crie um playcenter para os mais miúdos que se chateiam com as homilias. No largo da catedral um enorme cálice aí colocado pela altura do milénio e a velha estação dos correios transformada em Centro de Visitantes. Oportunidade para comprar agasalhos com receios de frio nos próximos dias.
Depois Christchurch é uma linha que vai pelo Mall, até ao arco de triunfo já nas margens do Rio Avon, onde os chorões napoleónicos ainda se debruçam, fazendo ocasionalmente sombra aos patos. Nas margens são resturantes e mais além o Centro das Artes, que a esta hora já tardia tem como atracção principal o Dux de Lux, onde o marisco é fresco e os vegetais dominam.
A noite anunciava-se de repouso que o Heritage a isso convidava. Mas podem sempre ficar no quarto do lado umas bestas em orgia. É raro, mas aconteceu.
6-10-06
De Ceduna a Caiguna
A etapa mais longa. Grande, muito grande mesmo, pela visão das baleias em Head of Bight numa dança sossegada com as crias. O resto é quase nada, passando pela estranheza de uma fronteira entre Estados, onde se recolhe o mel e a fruta de quem passa. Que lhes faça bom proveito. A mim chateia-me esta assepsia, mas não tenho nada com isso, afinal.
Aqui dá para perceber que um deserto pode ser bem mais cheio do que se pensa. Na rolagem dos quilómetros, passando sobre pistas de aterragem de Flying doctors, pensa-se no fim que se procura e sente-se que se está algures noutro sítio. Onde vale a pena estar, vale mesmo muito a pena, é nas planícies douradas antes de Caiguna com o sol a pôr-se à direita, pintando o dourado, cada vez de mais quente, quase até começar a doer continuar a andar. E na paragem a visão não cabe na máquina por mais disparos que se façam. Simplesmente, fica-se a olhar para a visão mais quente da viagem e de muitas outras já andadas, tentando impressionar de forma indelével os neurónios da memória de que, por vezes, já duvido.
Depois desses instantes, pode vir a lua cheia sobre as árvores e o sono nesta terra de 10 pessoas atípicas e cobertas de algumas nódoas. O mundo é mesmo grande, não adianta nada minimizá-lo ao tamanho de pequeninas coisas que nunca poderão apagar a memória de um pôr-do-sol perto de Caiguna.
7-10-06
De Caiguna a Esperance
É preciso uma recta assim, com 145 km entre Caiguna e Balladonia, envolta em 360º de nada, para se perceber o tamanho do mundo. Primeiro torna-se óbvio que o mundo é redondo, embora os sentidos nos enganem, mas isso nem é o que mais importa. Importante é a pequenês dos pequenos a quem literalmente, a partir desta recta, me vai dar vontade de mandar passear. Nesta recta do tamanho do mundo é possível esquecê-los e lembrar-me de ir comprar giz para fazer desenhos no chão da cozinha, repetindo, na viagem da casa à drogaria, a lenga-lenga do quero um pau de giz se faz favor. E passa muita gente por quem passei e me deixa, agora, sorrir a alguns dos que temi. Ficam lá nos sítios que habitam e onde já há muito os não encontrava. Uma recta deste tamanho, deixa-os do tamanho que têm. Onde andará o Matateu, o aborígene que encontrei de navalha afiada naquela subida da rua dos Soeiros?
E passamos Balladonia onde houve um acontecimento há uns anos. Nada mais nada menos do que um resto do Skylab aqui caiu, tornando a terra mais conhecida aos que nela habitam na sua necessidade de protagonismo. Porque não basta ser mediano, ser simplesmente como os outros? De onde esta necessidade de ser maior ou diferente?
Cerca de 200 km depois faz-se um gancho em Norseman deixando Kalgoorlie e a Rock Wave à distância do provavelmente nunca verei, e ruma-se a Esperance com um desanuviar progressivo, apesar da direcção do mar. Ventosa, junto a um pontão com ilhas ao longe. Uma volta de quase 40 km mostra praias, algumas das cem ilhas que habitam o mar aqui ao perto e um lago que, quando choveu menos, é rosado.
15-10-06
Já há quase um mês que não sei notícias do meu país. Provavelmente, é um lugar que não existe ou onde nada existe que valha a pena. Se não existisse uma coisa a que chamam o meu país, o que lá acontece não acontecia, porque tirando a importância que lhe dão os que lá existem, mais ninguém fala deste país. É bom não haver notícias do meu país, sinal de que lá deve haver sol e uns arranhões costumeiros entre as tribos que lá moram, que não sendo notícia provavelmente não têm a importância que lhes dão as tribos que os produzem.
Em Amesterdão está cinzento como sempre e ninguém fala deste país também ele chato e chão. Bom sinal. Na verdade poderíamos muito bem viver sem as notícias dos nossos países ou mesmo sem os países de que somos. Os aeroportos são isto, gente de muitos países que passam e sorriem muitas vezes apesar de serem de muitos países. Assim deixados, não tem importância que leiam na viagem o Corão ou um qualquer policial, sorriem uns aos outros como se não fossem de países diferentes. Gente que foge das notícias e vive bem assim. Quem os torna diferentes e coloca nas aberturas dos telejornais?
Por mim vejo mais diferenças nas bâncsias da Austrália e nas pinhas do pinheiro bravo do meu país, mas as duas são pinhas do meu país maior, aquele que não precisa de pequenos países para existir, com toda a diversidade.
19-10-06
Voltei hoje aos bancos da escola. De uma escola diferente onde me falam do mundo que aí está sem que o queira aceitar muito bem como está. A primeira impressão é que vão ser aulas que o explicam, que me ajudarão, talvez, a percebe-lo melhor e às batotas que o gerem. Porque o objectivo de uma humanidade tem de ir além da geração de valor, por um imperativo maior, por um Valor muito mais importante do que os pequenos valores que, dizem, serem os nossos objectivos de gestão.
20-10-06
De alguma forma, este jantar está a continuar a minha primeira aula de Gestão. Numa demonstração das ideias de Michael Porter, neste restaurante de onde espreitamos a Acrópole iluminada lá no alto, há duas mesas, a dos médicos dos países desenvolvidos e a nossa. Aparentemente tudo é igual e vamos comer da mesma comida e beber do mesmo vinho. A diferença é que naquela mesa está o conhecimento que permitiu que estivéssemos nós, aqui à mesa também. Nós os vendedores que induzimos o consumo do que eles produzem. Um mundo em que uns fazem e os outros consomem não nos deve espantar que tenha diferenças. O maior problema é que ainda alguns aqui pensam que os espertos somos nós que temos o mesmo jantar despendendo menos esforço. Mas cada vez mais espertalhões não irão sobreviver muito tempo e, em breve, a comida será distribuída doutra forma.
21-10-06
Vã glória de pequenos prazeres de hotéis de charme. Do que se enche a vida das pessoas! A ilusão da grandeza sem perceber o seu absurdo.
22-10-06
Vinte e seis anos depois, vista aqui da Acrópole a cidade a perder de branco continua como sempre foi, uma mancha sem resolução. Na ingenuidade da guia elogia-se a inexistência de prédios altos e a grande vantagem de em qualquer ponto de Atenas se poder ver a Acrópole. O prazer de ver a ruína a toda a hora, sem o remorso das razões por que aconteceu uma civilização ter cedido a sua liderança. Contemplando estas pedras, sorrio na certeza de que todos os Impérios, por mais fortes que sejam, acabarão por cair um dia. O problema até agora tem sido que são substituídos por outros, não necessariamente melhores. Como um castigo da espécie que os gera e tolera.
Vista ao perto, a mancha perde o imaculado do branco e fica disforme e mal cheirosa nas montanhas de lixo não recolhido. Os passeios são estreitos, os automóveis omnipresentes apertam-nos contra as paredes dos prédios tornando desconfortável o andar a pé. Os prédios vistos de mais perto são monotonamente horrendos de feios, fazendo uma cidade chata e sem graça.
Tanta indisciplina e desordenamento faz-me ter saudades do excesso de ordem das ruas das cidades da Austrália. Afinal, o caminho da evolução não está assim tão mal definido, tem direcção.
Boa é a imagem da cidade obscurecida na noite e a Acrópole iluminada vista de longe, do último piso do Hotel St George.
23-10-06
Rever um restaurante onde houve na primeira vez a vontade de voltar é agradável. Mas ainda não foi desta que a companhia era a mais certa. E nisto dos restaurantes, às vezes, a comida nem é o principal. É mais com quem se come, apesar de ser no Ithaki.
24-10-06
Não me acontece muitas vezes, estar hoje com mais vontade de viajar no regresso do que no dia em que parti. Realmente, fiz esta viagem sem grande entusiasmo e, além de algum descanso que me deu, não vou ficar com mais saudades. Apesar de Atenas estar diferente da que vi há muitos anos ou até há dois. Tem auto-estradas e um Metro simpático. Continuam a vaguear os cães, a dormirem esparramados pelo chão. O lixo salta dos caixotes. Para qualquer fumador é uma Meca. Por vezes, os gregos riem, um riso meio triste, todavia. Não serão os únicos que riem sem sentido.
Enquanto passeio na Plaka, lembro-me dos receios infundados de outros. Há gente que sem fazer grande coisa na vida, teme, possivelmente, mais a vida do que a morte, sem perceber que o medo de viver é a mais desgraçada das mortes. Não admira, todos os dias nos impingem esta cultura do medo em nome de uma vida mínima, afastando-nos de todo a ideia épica de uma morte gloriosa, que garanta uma vida que valha a pena.
Isto escrevi em Atenas enquanto aguardava o avião atrasado para Milão. Mais logo quando chegava a Lisboa vi um avião silencioso, passageiros a fazer que dormiam, antes do enorme alívio de chegar a terra, depois de um desce e sobe difícil de passar. Lisboa envolta em temporal à chegada.
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