O Casimiro reformou-se. Não sei se ele pode sentir, mas este almoço foi a confirmação que a obra se mantém ainda que o cepticismo venha por ondas afectar-nos. O Casimiro foi um ensinador de atitudes e muito mais que doenças, que também nos ensinou, fez-nos aprender os doentes. Inoculou-nos com essa necessidade como atitude permanente. Ainda hoje nos disse que um pastor que vem ao médico pedir um «Taco» é um sinal de alerta para doença grave, como o é, igualmente, a mulher que vem ter connosco para lhe tratarmos o marido. Porque uma mulher não delega o tratamento do marido sem mais nem menos, tem de ser grave. Quem ensina hoje que não devemos sentar-nos na cama do doente? Quem passa visita às 8 da manhã com as enfermeiras? Quem é o Director de Serviço que é o primeiro a entrar pela manhã e o último a sair ao fim da tarde?
O Casimiro merece estar reformado. Mais que não seja para, estando mais perto de nós, nos podermos encontrar de vez em quando a falar das desgraças dos Serviços, para nos sentirmos impotentes para transformar as grandes coisas, mas, ainda assim, sabermos resolver as pequenas coisas do nosso sítio. Porque há muita coisa que podemos fazer melhor, sem retórica, com medidas simples. Mesmo sem jogos de poder ou usando alguns dos poderes com que ele de alguma forma nos armou.
Foi boa a discussão sobre o acesso aos serviços, sobre os tempos de espera nas urgências. Fiquei a olhar a realidade de outra forma depois de nos ter dito daquela forma simples com que sempre diz as coisas, que tudo isto terá começado com o Serviço Médico à Periferia e depois a criação dos SAPs. Primeiro a generosidade de médicos jovens, depois o interesse, a utilidade das horas extra na composição do ordenado dos médicos, tudo isto reforçado pelo gosto dos autarcas em facilitarem o acesso quando, por exemplo, as costas doem. Sempre numa dinâmica de consumo, reforçada pela «informação» dos media, a divulgarem doenças e «negligências» sem parar, reforçando a procura de certezas nas análises e nos exames de imagem. Fez-nos lembrar que uma amilasemia era mais complicada de pedir do que uma TC do crânio, nos dias de hoje. O sistema favorece os autarcas e outros políticos, os médicos e os fornecedores, é quase um mundo perfeito, não fosse tão insuficiente para os doentes. E essa insuficiência provém de se ter destruído a relação natural que seria o doente falar com o seu médico de clínica geral quando, por exemplos, as costas doem. Será que se está agora no caminho certo por vias tortas? Estaremos a regressar ao papel central do clínico geral no sistema ou vamos destruir tudo o que ainda resta subordinados a interesses de seguradoras e banqueiros? Melhoramos muito realizando este SNS, nada do que hoje fazemos tem alguma coisa que ver com o que fazíamos. A nossa história é um caso de sucesso. Com custos que podem ser racionalizados, mas com a certeza, que destruir o que foi conseguido, será um retrocesso lamentável.
Aqui nasce um papel decisivo para a terceira geração que nos ouvia: impedir a destruição daquilo que andámos a fazer, inspirados, muitas vezes, no que o Casimiro nos ensinou.
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