A minha avó, que era sábia, sempre me avisou para não acreditar que eles tinham chegado à lua. Aquilo era tudo montado, cinema, essa coisa mentirosa que substituía a verdade do teatro. E eu ficava triste, com pena dela, por o seu analfabetismo lhe não permitir ver a realidade através das interpostas imagens. Era uma época de verdade, em que era credível o que se via. Naqueles anos, ainda tínhamos a certeza de que o mundo estava a mudar, ainda o construíamos com um rumo sonhado. Aos poucos, porém, os tempos mudaram, não como a cantiga nos dizia e os ventos foram-se refazendo, apagando as respostas que o seu sopro nos trazia. Afinal, os homens novos eram tão velhos como os antigos e os muros que, estupidamente, ergueram caíram como teria de ser. Foi assim que chegámos ao fim do mundo e o liberalismo se instalou como verdade definitiva, deixando ao Mercado a realização de todas as questões da vida dos homens. Nessa altura acabaram os sonhos e instalaram-se as ilusões. E por elas vamos andando nos dias de hoje. Ainda.
A beleza e perfeição das coisas tornou-se mais importante que a sua verdade, que cedeu o seu espaço à ilusão. A realidade tornou-se aos poucos intolerável e foi substituída, com aceitação, pela mentira perfeitamente construída. Deve ser por isso que se prefere mostrar uma pequena chinesa a cantar com a voz de outra que, na verdade, tem os dentes tortos e os fogos de artifício são artificiais como nunca antes tinham sido. Pensando bem, a falsidade até estará adequada numa cerimónia de abertura de uns Jogos onde se disfarça de desporto o que somente é competição, desempenho irreal e inútil. Utilizam-se atletas para glória de poderes políticos e económicos. Venham medalhas que façam esquecer a crise ou mostrem a grandeza da China emergente, vendam-se mais sapatos e fatos de treino. Just do it até daqui a quatro anos. Por uma malga de arroz, os miúdos da Índia, Indonésia, Vietname e da China continuarão a produzir os fatos mágicos, os sapatos que têm asas e outros facilitadores de records. É isso que queremos e o marketing promoverá as «nossas necessidades».
Na realidade, a distância aumenta, o mundo dos ricos e dos pobres afasta-se, sem que uns e outros tenham disso percepção, ocupados na ilusão em que estão. E neste caldo germina e cresce a facilidade amoral, que conduz à realização do objectivo de enriquecimento rápido, a qualquer preço. Uns assaltarão bancos na busca dos milhares de euros que os libertem da miséria de forma fácil, outros, seus semelhantes, transmitirão a manipulação de reféns, em tempo real, arriscando mostrar a morte em directo, na busca das audiências que lhes assegurem receitas de milhões. Nuns e noutros a mesma falta de moral, mas só nuns a propriedade da ética, da elaboração das regras.
Vende-se, sem vergonha, a regra de que o Mercado tudo resolve e todos os equilíbrios nele serão encontrados. Mas quando as trapaças dos Bancos os levam ao nível da falência, recorre-se ao Estado salvador. Pagamos todos a despesa, depois dos proveitos terem ficado para os poucos, que causaram a ruína. Mais uma vez, a realidade foi bem diferente da ilusão que nos impingiram.
Deve ser porque a realidade é tão inconveniente, que a ilusão é tão necessária. Deve também ser esse o motivo, porque nos roubaram o sonho. Mas, felizmente, o sonho é estimulante e a ilusão frustrante. Possivelmente, por isso, ainda não chegámos ao fim da história.
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