segunda-feira, janeiro 21, 2008

A subtil pressão

Não nego que me dá um certo prazer mórbido ver a falsa deferência, quantas vezes até disfarçada de amizade, com que vêm falar connosco. Por trás do tratamento de excelência, está, obviamente, sempre a necessidade de aumentar as vendas. Essa é a única realidade do jogo, tudo o resto tresanda a cursos de formação de como lhes dar a volta. Estou convencido que falta a grande parte dos médicos este mínimo de lucidez. Na verdade,a ingenuidade é coisa que não falta por aí.
Então quando nos enviam uma jovem delegada convidar-nos para almoçar, a coisa é garantida, é a ilustração final de que não há almoços grátis. Por cinismo que me diverte, aceito sempre, sabendo ao que vou. O ambiente não será mau, a comida pelo menos razoável, o vinho que a acompanha de qualidade. Depois dos agradecimentos sobre o tempo que nos roubam, aprendidos nos tais cursilhos, lá vamos nós ao que interessa. A questão desta vez, no meio de alguns comentários à dita má governação ministerial, era tentar perceber se a administração do hospital nos andava a pressionar para prescrevermos menos de alguns fármacos. É que o número de ampolas tinha baixado muito! Com paciência, expliquei que não, que sempre me senti com toda a liberdade de prescrever o que me apetecesse e que sempre o fiz, obviamente, preocupado com as necessidades dos doentes e os custos dos fármacos, na minha posição de duplo agente neste negócio: compete-me dar o melhor ao doente, mas não posso deixar de pensar nos interesses de quem paga a conta.
Depois do almoço, apesar do shiraz, pensava para comigo, que nesta actividade, quem, na verdade, me tem pressionado, subtilmente, são sempre os mesmos. Mais uma vez, almocei de borla!

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