A sabedoria das gentes há muito que ensina que quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Não sei até que ponto um país que nasceu de uma briga familiar, poderá alguma vez tomar um rumo feliz, mas a verdade é que me sinto a viver num país torto. E isso nem teria grande importância se a sensação de malformação não fosse mais generalizada: mais do que estar num país torto, estou num mundo também torcido. Só que, com o mal dos outros pode a gente bem, e daí a importância do país que sendo amarrecado, acaba por nos moer o juízo de uma forma muito particular.
É curiosa esta discussão sobre os vencimentos dos nossos gestores de topo suscitada pelo discurso de ano novo do Sr. Silva, como dizia o outro. Ficaram perturbados alguns dos seus amigos, porque afinal também não foi para ouvir destas que nele votaram e, sabiamente, vão dizendo que não seria pelos tais gestores ganharem menos que o salário mínimo seria mais alto, numa lógica de que quando o barco está a afundar-se, o que é preciso é fugir com o salva-vidas empurrando pela borda fora os mais «inaptos». Está realmente muito torto este rectângulo. Não sei, mas gostava de saber, quantos vivem com a reforma mínima, quantos têm o ordenado mínimo, quantos estão reformados por doença e continuam a fazer o que dantes faziam noutros sítios (curados?), quantos têm reformas milionárias, quantos gestores ganham o euromilhões todos os anos. Não sei, mas gostava de saber os rastos da promiscuidade dos líderes que saltam do público para o privado e perceber a razão do escândalo de se ganhar milionariamente no público quando se transitou do privado para o público e se pôs um bocadinho de mais moralidade dos impostos. Até me parecia ser bastante saudável arranjar mais alguns desses, que conhecendo as manhas dos privados, pudessem ser mais eficazes no seu controlo. Não sei, mas gostaria de ver bem esclarecidas as vantagens de pagar menos impostos e ter de pagar mais às seguradoras pela Saúde, mais às escolas privadas pela Educação, mais às Brisas pelas Estradas, mais aos advogados privados pela Justiça e assim por diante. Nunca achei que o problema fosse pagar mais ou menos impostos, a questão é saber como é usado o que se paga. Há ainda o traumatismo recente de uma história de descontrolo dos gastos do Estado e ainda não se percebeu que, desde há mais de 30 anos, se não controlamos as despesas, a culpa é, essencialmente, nossa. Há mais mundos para além dos irmãos metralha rosa-laranja! Já vejo, com muito mais dificuldade, que possamos alguma vez controlar os esbanjamentos e eventuais jogadas dos Millenniums e seguradoras afins. E, como está aí a vir à tona, a coisa parece mais escura do que as T-shirts do Joe B., não parecendo tal rapaziada ser flor que se cheire. Também não sei se a solução da Rosa maçónica será a melhor para a coisa, pois, assim de repente, parece que quem ganha com mais esta transição do publico para o privado será afinal e, uma vez mais, o privado. São os accionistas do Millennium que vão, obviamente, ganhar com o valor dos conhecimentos sobre o concorrente público, que os transferidos possuem. Estranho, assim, a preocupação (sentida?) dos irmanados Lopes e Menezes. Será que criticam pelos riscos de prejuízo do público ou foi só para arranjarem capital para justificar um bom emprego a um dos seus na CGD? Anda a coisa assim bem torta, com rumores de outros gestores que também poderão ir de hospitais públicos, gerir alguns privados num projecto estratégico que tem, exclusivamente, a lógica da personagem da Soraia Chaves: o dinheiro. Que importarão as ideias e a decência se a prostituição rende mais? Nestes tempos de tortura, haverá ainda alguém que resista, alguém que diga não? Não sei, mas gostava de saber. A solidão, pelo menos, amargura.
Resta-me o alienante, mas saboroso, escape do sorriso.
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