Paradoxalmente, ao mesmo tempo que a vista se vai cansando, começamos a ver melhor, com outra nitidez o que antes a vontade esfumava. Ficaremos, por ventura mais cinzentos, mas na verdade nem sempre é colorida a realidade e, com efeito, muitas vezes mesmo são os nossos olhos que a pintam. Ela esteve lá sempre onde a vemos da mesma cor e nós é que somos seus pintores.
Foi assim que comecei o passado sábado, a reflectir sobre a generosidade dos homens. Com uma triste sensação de que, naturalmente, ela não existe, não passando de uma construção elaborada pela psicose de alguns. E mesmo esses, ao sentirem-se generosos, correm o risco de o deixar de ser. Porque a generosidade deixa de o ser quando percebida, naquele instante em que se converte em mais uma mercadoria que se tenta passar ao próximo. Aí, nesse instante, até pode converter-se no seu contrário. Conceitos destes devem ter nascido pela necessidade, ainda acredito que natural, de vivermos juntos uns com os outros, gerada pela natureza insuportável de vivermos cada um para seu lado. Fomos longe na psicose, criámos a necessidade das leis justas e até o Estado. E sempre que o medo nos assaltou, imaginámos o surreal para explicar o que não explicamos e criámos a religião. E assim temos vivido contranatura, quando como se vê que o que gostamos é do prazer, muito mais do que da realidade. E este conflito entre o prazer natural e a realidade criada nos tem acompanhado desde sempre. Hedonistas e estóicos por aí temos andado, criando éticas e morais.
Nos últimos tempos anunciaram-nos o fim da história e, depois de derrubarem o muro, querem convencer-nos a derrubar o Estado e a viver cada um por si, não percebendo bem que depois de estarmos sós logo iremos a correr reconstruir tudo de novo. Gostamos de andar às voltas. Afinal é assim que tudo parece andar desde os electrões aos astros todos. Era assim, de roda, que gostava de andar quando miúdo girava até vir a vertigem de um enorme prazer.
E neste intervalo apareceu morto o Milosevic, o Sampaio foi ver o Sporting, o Benfica teve o seu dia de azar (para variar), os iraquianos continuam a morrer como nunca, o Irão está quase a seguir-lhe as pisadas, as OPAs continuam animar as bolsas, as direcções dos hospitais continuam a vender o que é rentável aos privados e o Sócrates já está no poleiro há um ano. E está tão contentinho com o que fez!!! E já foi à Finlândia ver o que lhe falta fazer: pôr toda a gente a pagar impostos, dar ensino gratuito e universal, além da saúde e... ele deve ter visto. Vamos nós ver se viu.
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