sexta-feira, julho 30, 2004

O enterro lento do automóvel

Começa logo pela maneira de se dizerem as coisas. Pode dizer-se carro para abate ou, mais assepticamente, veículo em fim de vida. Como se dirá em Odivelas ou na Avenida de Roma. De uma forma Alegre ou mais Socrática. Mas isso são pormenores, é o processo mesmo muito em início, porque esta entrada de 1000 euros + IVA ao entregar-se um carro com mais de 10 anos, de quem somos proprietários há mais de um ano e que está em condições de circular tem muito que se lhe diga.
Primeiro, andamos aos papéis. Temos de ir à Direcção Geral de Viação buscar um a dizer que o carrito não está roubado, nem tem dívidas; depois às Finanças, para aqui dizerem que somos nós que não temos dívidas; e também à Segurança Social, para mostrarmos que somos diferentes do patronato típico, isto é, não devemos nada. Depois desta romaria de obtenção de certificados de bons costumes e passados cerca de 10 dias, vamos entregar o objecto. Dantes deixava-se, simplesmente, no stand por uma quantia ridícula, agora vamos levá-lo formalmente a uma antecâmara de morte, chamada IPO (Inspecção Periódica de Veículos). Esta circunstância confere ao acto alguma solenidade, quase um equivalente de funeral, uma oportunidade de luto por algo que nos levou daqui para ali e trouxe de volta durante anos e anos. Estávamos habituados aquela cor, aos estofos, à buzina, tínhamos uma história comum, quantas vezes, de episódios incontáveis.
Aqui, a coisa torna-se dúbia. Deixamos o dito e os respectivos bilhetes de identificação e entregam-nos na volta um papelito que custa cerca de 23 euros, que diz que o veículo foi nesta data inspeccionado. Mas para quê? Tinha sido inspeccionado há dois meses e estava apto a circular até ao ano que vem ... É assim, diz a funcionária, cansada de funcionar e sem gosto especial por fazer perguntas. Tranquilizadora, adianta, vai tudo correr bem. Pois, mas não percebo para que se inspecciona uma coisa que se vai destruir ou já não teremos mais nada para ocupar o tempo? Andamos é cansados de imagens de fogos e transferências de futebol, deve ser isso.
Em resumo, estas coisas chamadas IPO (privadas, portanto, acima de toda a suspeita de burocracia, corrupção e outros males do Estado e logo de toda a confiança mesmo que nos não d~eem qualquer documento que garanta que na data tal algo lhes foi confiado) ficam-nos com o automóvel, os documentos e tomam nota do nosso número de telefone num post-it para nos dizerem dentro de um mês que o processo está concluído. Ainda gostava de saber o que vão fazer durante tanto tempo... Contas? Podia ser: pneus novos + jantes de liga leve + estofos + vidros + imaginemos o que quisermos, ainda podem ser algusn euros e ainda assim aproveita-se para reciclar o carro de alguém que precise. Só uma hipótese para tentar explicar este mês que vou esperar. Certamente, haverá alguma razão bem mais técnica e eu é que sou desconfiado. Aliás, sempre desconfiei destes IPOs, da sua eficácia, quando se sabe que os seus julgamentos nem sempre são muito reprodutíveis e há alguns onde os mecânicos levam os carros porque sabem que lá é mais fácil passar. Haveria menos acidentes se este negócio protegido pelo Estado e entregue aos privados não existisse? Alguém o demonstrou? É um desafio aos vossos comentários!
O resto da história espero contá-la daqui a um mês se tudo correr bem.

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