segunda-feira, novembro 29, 2010

Special one

Recebo sempre com alguma satisfação a quebra dos mitos. Aliás, os mitos são uma das influências mais nefastas que por aí andam, porque levam muitos a acreditar na perfeição ou, pior, a aceitar as imperfeições de forma pacífica. Pelo contrário, as nossas imperfeições serão sempre uma oportunidade de melhorar, a menos que pensemos perigosamente que a melhoria só está ao alcance de alguns predestinados e nos esqueçamos do imenso que podemos aprender com as nossas insuficiências ou mesmo com os nossos erros. É reagindo que se lá chega, ou, ainda melhor, se formos realmente pró-activos mudando o que achamos estar errado. A propaganda dos mitos que nos afastam da acção levando-nos a uma atitude paralisante de contemplação é instigada exactamente para nos tornar dóceis e conformados com a sorte. Por isso, sempre que um mito cai, isso me agrada. Ver o auto-intitulado melhor treinador do mundo ser derrotado por 5-0 é, por isso tudo, motivo de festa.
Vai sendo tempo de se não hipervalorizar tanto a diferença (a real e a criada pelo marketing) e apostar mais na realização comum e solidária da vida. Que o special one me desculpe.

sábado, novembro 27, 2010

Adeus

Sabia que estavas à beira do precipício, mas que raio te deu para ires embora sem esperares que eu chegasse? Sempre determinado fizeste como te deu a vontade e valente não esperaste por uma festa de pieguice que fica na minha mão. Vai ser diferente entrar em casa sem ouvir a tua voz forte. Nem um pulo, nem uma ameaça de rabo a agitar-se. Descansa, miúdo, foste um bom companheiro durante estes anos.

domingo, novembro 21, 2010

A luz da sombra

Pode, por vezes, não ser no objecto que se encontra a compreensão da realidade, mas na sombra que ela própria produz. É através dos jogos de luz que se chega à compreensão mais abrangente das formas. São múltiplos os caminhos para se atingir a essência das coisas e nunca as entenderemos se as olharmos apenas da forma mais comum. Às vezes é pelos efeitos que descobrimos as causas. O importante é estar atento e olhar para se poder ver. Ou como dizia Saramago "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."

sábado, novembro 20, 2010

Dúvida

Da fome, da peste e da guerra, livrai-nos Senhor” oração do século XIV.
«... e também dos mercados», oração do século XXI


Sete séculos depois, a mesma história. Uns capitulam perante o compromisso que eles próprios engendraram, outros resistem. Foi assim em 1383, assim está a ser em 2010. Há por aí muito nobre ajoelhado (ou até em prece maometana) face aos ditos mercados, esperando, quase ansiosos o único desfecho possível, a estocada final. E há também o povo sempre capaz de resistir e atirar pela janela alguns andeiros indesejáveis. Será que ainda há energia para um gesto necessário?

sexta-feira, novembro 19, 2010

Estratégia de coping

É bom não antecipar nunca as desgraças. Mais que não seja porque não vale a pena vivê-las duas vezes, no momento em que as antecipamos e, depois, quando ocorrem. Ou então nem chegam a acontecer e estivemos a perder tempo sofrendo de forma inútil.

quinta-feira, novembro 18, 2010

Estratégia de risco

Estar aqui com a urgência de estar além, mais que não seja porque adiar a ida pode ser (espera-se que não seja) uma impossibilidade. Saber que a liberdade é ali e continuar preso a esta espécie de prisão aqui. Está-se dividido entre o dever e o prazer, o que torna mais penosa ainda a obrigação de ficar. Pergunta-se para quê e a resposta não chega, restando a vontade não garantida de que um dia... É uma estratégia de alto risco, mais do que uma inércia e com o passar do tempo fica a sensação de que o prazer de lá estar seria agora e não depois, quando a percepção e a memória já poderão não permitir gozar a plenitude dos instantes. O sol vai nascer e pôr-se todos os dias, mas as árvores vão, cada vez, dar menos sombra. Poderá ser que ainda se possa ficar debaixo, quieto, à espera do momento final na paz do espaço e do tempo. Mas nada o pode garantir e isso é que inquieta.

domingo, novembro 14, 2010

Uma tarde mal passada

Primeiro estranhei a multidão numa sexta-feira à tarde, mas é sabido que o contacto com um possível futuro ministro os leva aos maiores sacrifícios e poucos foram os que lá não estiveram. Depois os sábios, optaram pela teorização da gestão da saúde em tempos de crise e fugiram, com excepção do potencial ministro, à apresentação de medidas concretas. A mais significativa, a necessidade da separação do trabalho dos médicos entre sector privado e público. É mais que tempo de parar com esta coisa de ir fazer umas horas de manhã a um hospital e depois ir ganhar dinheiro no sector privado. Pois é, mas continua. Tornar transparente a gestão através da accountability do que é feito, outra necessidade imperiosa. Mas ninguém quer saber. O resto foi a negação da realidade e a insistência no erro da promoção das corporações. Maldito Salazar que impregnou os genes desta malta!
E também houve disparates gigantes: desde a consideração que é um atentado à liberdade individual haver numerus clausus para entrar no curso de Medicina (os meninos riquinhos que estudem mais, tá?) até à promoção da responsabilidade individual dos doentes pela sua patologia (e as condições que a sociedade lhes impõe e os discrimina, ou querem sugerir que estamos todos no mesmo patamar?). Já para não falar da insistência na culpabilização dos cuidados primários na crise sem se mencionar que eles têm apenas um terço dos médicos. Enfim mais do mesmo, ausência de surpresas. Uma tarde mal perdida.
E logo a seguir veio a Senhora da Gripe dizer que a culpa vai ser da gestão se não conseguir produzir mais com menos euros. Esta senhora nunca se engana, o problema é que não sabe. Obviamente, demita-se!

quarta-feira, novembro 10, 2010

Os mercados


Hoje tive uma consulta triste pelo confronto com a gente desesperançada, derrotada. A verdade da televisão entra-lhes no corpo e corrói-lhes a alma. Alguns chegaram mesmo a despedir-se até à consulta seguinte, no próximo ano, como se já cá não voltassem por tão perto lhes parecer estar o cadafalso. Onde anda a capacidade de resistência? Há uma diferença para os outros tempos em que às escondidas com a PIDE/DGS cantávamos. A juventude aí liderava o processo com a sua energia e os velhos, às vezes, refreavam a luta, pelo temor; agora os velhos estão sem energia a relembrar o seu passado e os novos estão assumidos e engolidos pela doutrina oficial e a tentarem, uns contra os outros, encontrar um emprego que não surge, impotentes para identificarem o real inimigo e descobrirem a palavra necessária: SOLIDARIEDADE.

terça-feira, novembro 09, 2010

Diagnóstico

Esta fase da dúvida, em que se procuram os caminhos, exige uma gestão de muito cuidado para se não transmitir essa inquietude ao objecto. Vive-se num tempo em que não há tempo para a reflexão, para a análise das hipóteses e em que se parte para a acção em busca da solução não considerada previamente, como se o objectivo fosse encontrar algo satisfatório de surpresa. Cada vez mais, crentes da potencialidade sem limites da tecnologia, se vê esse jogo a ser promovido na pressa do tempo. Vamos e logo se vê e, muitas vezes, o que parece estar a ser visto é enganador e nos faz saltar para outros desconhecidos, como se andássemos numa navegação sem bússola no tempo do GPS. Fica-se então perdido e vai-se andando ao sabor dos palpites, criando uma entropia cada vez maior em que a probabilidade de acertar vai sendo reduzida pelo aumento exponencial das hipóteses. Até no processo do diagnóstico passámos a ser imediatistas, como num jogo rápido de xadrez onde se não consideram todas as hipóteses antes de decidir a jogada. Joga-se primeiro, corrige-se depois e segue-se de correcção em correcção até ao xeque mate final. A estratégia deu lugar ao consumo desregrado e gera-se uma enxurrada de informação que se não consegue coordenar e implica um gigantesco desperdício de recursos. E quando o doente questiona, recorre-se à autoridade da ciência dos sábios e, paternalmente, sugere-se-lhes que não se ralem com o assunto, que os sábios estão a fazer o que é necessário e chegarão à solução. Mas na avalanche dos exames em que os tubos são enfiados por todos os orifícios possíveis do corpo e os corpos são passados pelos mais variados scanneres, o objecto da análise deverá sentir-se confundido com tanta pesquisa. Isso deve inquietar. Afinal, que raio andam eles a procurar?

segunda-feira, novembro 08, 2010

Proposta

Parece óbvio que a substituição do Prof. Correia de Campos foi um recuo na Saúde em Portugal e ainda está para se perceber a origem e identificar quem desencadeou a campanha mediática, que motivou a sua queda. No entanto, ainda se está a tempo de corrigir o erro. Há alternativa.

domingo, novembro 07, 2010

De regresso

São sempre simpáticos os americanos que se sentam ao nosso lado. Têm qualquer problema de estarem sozinhos e calados, pelo que à primeira oportunidade disparam o where do you come from, e a conversa está engatada. Desta vez calhou ser um luso-descendente na terceira geração com o português já completamente esquecido, mas curioso de saber onde e como serão os Azores de onde veio a avó. Viajado, já com vasta experiência de Caraíbas desde Cancun à Jamaica em várias idas. Recomendei-lhe a ida à ilha que lhe faltava, mas como me disse não lhe é permitido (curioso não ter dito que lhe é proibido) lá ir. De Fidel informou-me que não compreende como um presidente mata os seus. Já por pudor não lhe disse que os seus presidentes também são especialistas nesse campo, mas preferem fazê-lo fora de portas, no Iraque ou no Afeganistão. Mas sempre o fui informando que na ilha que lhe não é permitido visitar há gente com cuidados de saúde e educação garantida, não havendo a miséria que se pode observar noutros locais das Caraíbas, ou mesmo na sua homeland. Have a nice trip!
Na minha trip desta vez tive a necessidade de, estando em trânsito, entrar duas vezes na homeland, o que está a tornar-se um exercício cada vez mais complexo com filas de meia hora para chegar ao cidadão verificador da nossa identidade. Se as impressões digitais se gastassem, já não conseguia marcar o ponto no hospital de tanta vez que tive que apoiar os dedos das mãos no registo e já conhecem melhor a minha íris do que eu próprio. Só que estes tipos não têm memória e, de todas as vezes, a história se repete. Com uma excepção que acontece quando se tem um nome frequente ou suspeito, o que dá direito a uma segunda verificação, mais tempo gasto e dúvidas sobre onde estarão as malas e se ainda se irá a tempo do voo de ligação, tudo sem explicações nem desculpas. Será que nunca pensaram que mal terão andado a fazer pelo mundo fora para terem tanto medo de toda a gente? Parecem acreditar pouco que Deus abençoe a América… Eles acreditar talvez acreditem (foram ensinados a fazê-lo), pensar é que não (foram educados a não o fazer).

sexta-feira, novembro 05, 2010

Cancun prático

Cancun é uma tira de hotéis estendida ao longo de muitos quilómetros a norte do aeroporto. O que se faz em Cancun? Vai-se à praia que tem água azul-turquesa com temperatura generosa. Compram-se viagens para ir ver algo diferente (além de ir à praia) em locais a 2-3 horas de viagem. Portanto, e como há praias  perto desses locais, o mais sensato é ir para um hotel nesses sítios e poupar umas horas de sono no hotel mal substituídas por sestas nos autocarros.
Ficando em Cancun pode facilmente andar-se de uma ponta à outra da tira dos hotéis de autocarro a custo baixo (0,5€/viagem). Há centros comerciais e clubes nocturnos e praias onde os hotéis não cobriram o chão. Também restaurantes para vários gostos. E polícia a fazer barreiras e a revistar carros, que o narcotráfico não dá tréguas.
Portanto, o melhor quando se vem a Cancun é sair de cá e ir até Chichen Itza, Tulum e a parques de diversões como Xeh-la e Xcaret. Nos primeiros vemos calendários gigantes e fica-se parvo como foi possível fazer aquilo naqueles tempos. Nos parques, goza-se a água quente a céu aberto ou em rios subterrâneos (artificiais?) ou pode caminhar-se no fundo de um aquário de 7 metros de profundidade (carregando uma máscara à maneira de astronauta ligado à cápsula por um tubo que nos garante o oxigénio), para ver uns tipos dar de comer aos peixes enquanto outros mayapaparrazi nos tiram fotografias. Há também postais ilustrados onde se pode ficar deitado à sombra e gente geralmente bem educada por perto que tenta ser prestável (quando por exemplo se cai de um passeio abaixo... os passeios à beira da estrada têm um desnível de cerca de 30 cm!). Há ainda a versão de tormenta com ventos fortes de dobrar copas de palmeiras em que começa a ser complicado descobrir algo que fazer. A ida a downtown apenas confirma que Cancun não existe ou como diz um dos guias, em busca da propina, aqui não se produz nada, vivemos da vossa generosidade. Voltem sempre! E, na verdade, apetece fazer-lhes a vontade pela temperatura da água e pelos locais onde o sossego é possível desde que se não ande no contra relógio do guia turístico. Também pelo conhecimento que noutros tempos aqui houve. Para reflectir e ficar longe do pequeno mundo.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Mais maias

O erro dos maias poderá ter sido a auto-satisfação com o conhecimento. a arrogância da razão, eventualmente. Qualquer político hoje em dia sabe que não basta a razão e que mais importante do que isso pode mesmo ser a estratégia de vender a não-razão. Isso é que rende. Eles não souberam e pereceram. Ao olhar os seus relógios, sente-se a injustiça da sua história, sobretudo quando se vê que as irracionalidades e o obscurantismo das diferentes variantes de fé têm conseguido bem mais no que ao poder diz respeito. Mas esse tem sido também o mecanismo de grandes recuos ou paragens no tempo. O deles processava-se em ciclos determinados por realidades cósmicas, sem hipóteses de paragens. E ainda continua.
Estes saberes despertam curiosidade de quem lhes sente a razão.

terça-feira, novembro 02, 2010

Bolsa de emoções

Deve estar certo porque o esquema está globalizado e não tem grandes variações entre os locais e as gentes que lá vivem. Há um jogo de simpatias e simultaneamente de falsidade em que a comunicação das emoções decide o resultado. Analisando friamente a questão conclui-se que o preço acaba por nem variar tanto de um caso para outro, mas o que decide o negócio não é a racionalidade, mas a empatia emocional entretanto criada pelo processo de comunicação. Mesmo tentando actuar no negócio com a frieza possível, sinto que acabo por ceder por razões não necessariamente racionais. A bolsa dos valores das excursões acaba por não diferir muito das outras bolsas de valores, onde também são factores irracionais a decidir os negócios. Interrogo-me se não seremos capazes de conseguir algo melhor do que isto.
Não vale mesmo a pena invocar boas razões para o sucesso, que ele depende de outras causas, mas não necessariamente das boas razões da cultura que não busque a opressão. Assim parece ter acontecido aos maias, uma cultura avançada, mas que não usou o conhecimento que possuía para dominar. Acabaram a fazer, nos dias de hoje, os trabalhos mais básicos e mais mal pagos nos hotéis de Cancun. De nada lhes valeu estarem avançados, porque outros factores são ainda mais importantes que a cultura. Pelos vistos já há várias centenas de anos.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Santa Morte


Será a praia onde se chega como diz A. Lobo Antunes ou uma mulher de gadanha ou uma Velha vestida de preto, tudo isso pode ser esse instante certo e inevitável para onde todos caminhamos, mas aqui é aparentemente diferente, chegando mesmo a ser Santa Muerte. Há uma atitude de brincadeira e veneração neste dia em que os mortos regressam e lhes oferecem bolos, cigarros ou mesmo uma bala que não irá ser utilizada numa rixa de cartéis de narcotráfico. Os  naturais mascaram-se como se estivéssemos  num carnaval neste dia e há uma alegria mal percebida por quem não é daqui. Há um ambiente de festa no ar porque a morte está presente.
Este breve contacto de turista não dá para entender até que ponto as aparências estarão a iludir e tudo não possa passar de esconjuro ou catarse para liquidar medos ocultos, mas propicia uma nova forma de encarar um problema que cada dia se vai tornando mais actual «à medida que se nada para a praia». Mas se o rumo é necessário, porque fugir e temê-lo. É possível, que a razão para isso, esteja na consciência de ainda haver algo mais para acabar (mas estamos programados para alguma obra em especial?) e não termos ainda tido o tempo suficiente ou poderá ser apenas o hábito de ir seguindo, fazendo o que se faz sem se dar conta até ao momento de despertar final quando a areia nos põe de pé. O risco não é pois a morte, mas a vida desperdiçada, essa sim irrecuperável. Disso é que é mais difícil desculparmo-nos. A morte é, desta forma, um estímulo para a vida. Pode, por isso, ser celebrável.