quarta-feira, março 29, 2006

«Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara»*

Depois de estar identificada, bem caracterizada, completamente demonstrado o seu crescimento, detectadas as suas causas, há a decisão sábia de combater o mal: a obesidade. Para o combate foi criada a Comissão, definidos os grupos de trabalho, que prontamente elaboraram as linhas de acção. Que fazer? Prevenir, facilitar o acesso às drogas, mutilar os estômagos. Parece fácil, até se sabe que as epidemias se tratam prevenindo. Mas isso, é quando há uma vacina à venda! Quando não, aceita-se com mais facilidade, a derrota, o tratamento da doença resultante da peste. Pior ainda quando, como é o caso, as causas são os hábitos condenáveis a que a sociedade liberal nos vai condenando: estar quieto, comer depressa e mal para que a santa Economia prospere. Comer até o lixo que ela produz para o seu engrandecimento. Mais fácil é facilitar o acesso às drogas, aos balões e às bandas, todos eles à venda, com a Economia desejosa de os ver mais comprados. Se isso lhes for garantido, até fornecerão uns trocos para se promover a prevenção, num risco calculado, até ao ponto exacto em que isso lhes não reduza em excesso o substrato.
Compete a uma Comissão técnica, propor não só as medidas, mas considerar a sua aplicação, a coerência das acções e, num ambiente de recursos limitados, propor até uma estratégia de hierarquia dos gastos. Não é inocente sugerir que se paguem as drogas e mutilem os estômagos e isso seja implementado e se fique pela sugestão das medidas de prevenção, sem as levar à prática COM RESULTADOS mensuráveis. Porque o tratamento desta peste é a prevenção, deixar alastrar o problema e tratá-lo a jusante, não é combate, é satisfação... da santa Economia. É aumentar o substrato!
E, realmente, nestas coisas das lutas tudo é político e quando os técnicos dizem que apenas o são, estão seguramente a fazer política, sendo que a tecnocracia é, habitualmente, política, mas da mais baixa. Por mim, prefiro ser técnico e político, obviamente, incorrecto, mas de um nível mais ao meu gosto. Fica-me, muitas vezes, a dúvida, se a cegueira existe ou se é apenas simulada. Como a mulher do médico «Hoje é hoje, amanhã é amanhã, é hoje que tenho a responsabilidade (...) de ter olhos quando os outros os perderam.*»

*Ensaio sobre a cegueira. José Saramago

terça-feira, março 28, 2006

O prazer

Quem irá ter mais gozo com a vitória, o Barcelona ou o Benfica? É claro para mim que seriam os benfiquistas, pois o verdadeiro gozo se obtém na empresa difícil, não provem do triunfo esperado e fácil. O prazer não está na vitória apenas, mas na superação de nós que a ela conduz. Mas não sei, se nos dias que passam, assim é para muitos. Instigados ao consumo, do inútil tantas vezes, o gozo abastardou-se para muitos confundido com o prazer supostamente existente nos bens tidos. Mas é só até se terem. Depois, da conquista, o prazer esvai-se e logo só volta a surgir na procura da seguinte. O gozo torna-se quase um bem consumível, também. E assim se mata.

Revi hoje Séneca e aqui deixo este pedaço:

Porquê espantar-nos que possa ser vantajoso, por vezes mesmo desejável, expor-nos ao fogo, às feridas, à morte, à prisão? Para o homem esbanjador a austeridade é um castigo, para o preguiçoso o trabalho equivale a um suplício; ao efeminado toda a labuta causa dó, para o indolente qualquer esforço é uma tortura: pela mesma ordem de ideias toda a actividade de que nos sentimos incapazes se nos afigura dura e intolerável, esquecendo-nos de que para muitos é uma autêntica tortura passar sem vinho ou acordar de madrugada! Qualquer destas situações não é difícil por natureza, os homens é que são moles e efeminados!
Para formar juízos de valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma, pois de outro modo atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal como objectos perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos ao meio quando os vemos metidos dentro de água. O que interessa não é o que vemos, mas o modo como o vemos; e no geral o espírito humano mostra-se cego para a verdade!

Indica-me um jovem ainda incorrupto e de espírito alerta, e ele não hesitará em julgar mais afortunado o homem capaz de suportar todo o peso da adversidade sem dobrar os ombros, o homem capaz de alçar-se acima da fortuna. Não é proeza nenhuma manter a calma quando a situação é tranquila; é admirável, pelo contrário, conservar o ânimo quando todos se deixam abater, mantermo-nos em pé quando todos jazem por terra. O que há de mal na tortura e em tudo o mais a que damos o nome de «adversidade»? Apenas isto, segundo penso: o facto de nos abaixar, abater, humilhar o espírito. Ora nada disto pode suceder ao homem sábio, o qual se mantém vertical seja qual for o peso sobre os seus ombros. A um tal homem, coisa alguma deste mundo pode humilhar; um tal homem a nada do que é inevitável se recusa. O sábio não se lamenta se lhe acontecer algo daquilo a que a condição humana está sujeita. Conhece as próprias forças, sabe que não vergará sob o peso. Com isto eu não estou a colocar o sábio à parte do comum dos homens nem a julgá-lo inacessível à dor como se de um penedo inacessível se tratasse. Apenas recordo que o sábio é composto de duas partes: uma é irracional, e sensível, portanto, às feridas, às chamas, à dor; a outra é racional, dotada de convicções inabaláveis, inacessível ao medo, indomável. É nesta parte que reside o bem supremo para o homem. Enquanto o seu bem próprio ainda está por preencher, o espírito do homem pode resvalar na incerteza, mas desde o momento em que atinge a perfeição adquire para sempre a estabilidade total.

Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

segunda-feira, março 27, 2006

O surrealismo da escolha

Fácil é decidir quando o resultado está feito antes da decisão. Decide facilmente quem não tem dúvidas, quem escolheu antes da escolha. A justificação da escolha é, apenas nestes casos, a fabricação dum somatório.
Fácil também é decidir, quando é incomparável o objecto da escolha que se faz, quando a diferença é de tal forma abissal que até os cegos a veriam.
Fácil, diria eu, é decidir quando, bem ou mal decidido, ainda somos responsabilizados pela escolha, quando somos nós que definimos os critérios para escolher.
Escolher sem ter escolhido antes, entre realidades de perto comparáveis e sem aplicarmos os nossos critérios para decidir tendo em vista objectivos a atingir, é a verdadeira dificuldade. Por mais, que tentemos satisfazer-nos com a escolha, resta-nos sempre a dúvida de termos feito o melhor. Mas isso acontece com qualquer escolha que fizessemos nestas circusntâncias, porque se calhar, o melhor, é um conceito inatingível no contexto em que nos mexemos.
Tanto mais que, nos dias que correm, já ninguém escolhe com este carácter de escolha definitiva. Mas isso é nas outras escolhas, que nestas ainda temos essa ideia de utopia e estabilidade. Daí a surrealidade de tudo isto.

domingo, março 26, 2006

Boa noite e boa sorte

A prostituição é uma forma de ganhar a vida. Raramente, será uma forma de vida por que se opte. Mas as vantagens que traz, farão com que as profissionais tenham dificuldade em de lá sair. Com o passar do tempo, com a aquisição dos hábitos, poderá mesmo chegar-se a um estado de racionalização em que admitam ser uma actividade como outra qualquer, uma forma de ganhar a vida. Numa sociedade onde o triunfo do individual sobre o colectivo até é a regra, ninguém terá nada com isso e cada um come do que gosta ou pelo menos do que mais rendimento lhe dá, com o menos de esforço envolvido. Neste contexto, também, não é de estranhar a submissão das programações às audiências, do triunfo dos conteúdos fáceis, para entreter, sobre aqueles que poderiam levar à reflexão e, possivelmente, incómodos que levariam ao zapping imediato. Os meios como a TV, são exactamente o que poderemos fazer com eles e muitas vezes o caminho mais fácil não será eticamente o preferível, embora possa ser o que tem melhor relação custo-benefício. Daí a facilidade com que se pode cair na tentação da prostituição. Nos anos 50, nos Estados Unidos, houve quem o não fizesse. O capitalismo estava ainda noutra fase de desenvolvimento, havia ainda conceitos muito fortes, moralidades que impediam o percurso mais fácil. Por isso se resistiu, acarretando com as consequências. Mas hoje, como é?
Boa noite e boa sorte!

sábado, março 25, 2006

Todos iguais

Trabalham na construção civil,vivem perto daquela rua na margem de Toronto a que, por ironia, chamaram de Augusta. Alguns estão lá há vários anos, os filhos frequentam as escolas canadianas. De repente, um governo conservador, deporta-os. De Portas já tínhamos ouvido coisas idênticas. Está-lhes na natureza. Curioso era ouvir agora Portas sobre o tema. Mas não só. Todos aqueles que se sentem incomodados com a presença entre nós de cabo-verdianos e outros, também por cá a trabalharem na construção civil, sem papéis, contratados à jorna à porta do Colombo pela manhã. Ironicamente, pretos e brancos, todos muito iguais.

quinta-feira, março 23, 2006

O Império do mal

Este texto é de leitura difícil. A náusea surge à medida que se apela à humanidade da morte. Este país está cheio de preocupações humanitárias para manter hábitos bárbaros e o desrespeito total pela vida. Puritanismo, politicamente correcto e totalmente abjecto. Isto não é um conflito de interesses, é simplesmente, abominável.

quarta-feira, março 22, 2006

O futebol é uma escola (até para as escolhas)

A aplicação da legislação dos concursos médicos para provimento de lugares é um exercício de absurdo. Selecciona-se uma equipa com base num molho de critérios gerais. Imagine-se um treinador de futebol a escolher os elementos da equipa com base numa grelha muito objectiva que aponta alguns grupos de critérios que no caso poderiam ser muito lógicos. Os parâmetros de avaliação poderiam ser, por exemplo,tempo de prática da modalidade, tempo em que foi foi capitão de equipa, golos marcados, golos sofridos e por aí adiante. Muito objectivo, muito independente, mas um absurdo completo. O que importa à equipa é sê-lo, isto é, ter guarda-redes, defesas, médios e avançados. Cada um dos grupos terá necessariamente de ser avaliado de acordo com perfis de avaliação distintos. Não se pode usar o mesmo critério para seleccionar uns e outros. Exactamente o que se faz nesta coisa dos concursos médicos é o contrário, tenta-se aplicar uma grelha uniforme não tendo em conta as necessidades da equipa. O resultado é o funcionamento das equipas. Imagine-se uma equipa de futebol constituída só por avançados ou só por guar-redes... Era muito melhor deixar ao Director de Serviço a escolha dos seus elementos e despedi-lo, como se faz aos treinadores, quando os resultados não aparecessem. E só não é assim, porque essa seria a forma de lhes pôr o poder em jogo. E eles até agora não têm permitido.

terça-feira, março 21, 2006

Doentes ou utentes

Olhando as palavras concluo que não é inocente chamarem-se os doentes de utentes. Chamá-los doentes implica de alguma forma sentir solidariedade com o seu azar, perceber que fazem esse papel sem gosto. Se os chamarmos utentes, pelo contrário, estamos primariamente a considerá-los consumidores de bens quase por um gozo primário que terão. E torna-se muito mais fácil falar do princípio do utilizador-pagador, sendo quase impossível aceitar-se como razoável o princípio do doente-pagador. Assim, me parece que as palavras que mudam o não fazem com toda a inocência. Também aqui, palavras diferentes, têm consequências distintas. E no fundo, doente só é utente, se alguma cultura de que é também vítima, o incentivar ao consumo. Ninguém, na verdade, gosta de ser doente e, por isso, quando é utente sem ser doente, alguma coisa o fez ser, alguém o estimulou a usar. Mas neste caso, o pagador deve ser quem estimula o uso e não a vítima. Em resumo, a saúde deve ser paga fundamentalmente pelos saudáveis e quase nunca pelos doentes.

Il gattopardo

O encanto dos príncipes é levantado sobre ruínas que aparentemente nem fazem. Para eles fica a imagem de charme, até de alguma humanidade, quase de exemplo a seguir. Mas seria possível a imagem do príncipe se outros não fizessem as acções que nos repugnam? Daí a minha pouca identificação com estas personagens, a minha atitude calculista, a minha percepção de que algo vai mal no reino destes príncipes. Como os comuns mortais, também eles encaram a morte como inevitável, sentem as saudades da juventude, só com a vantagem de lamentarem mais a primeira e se irritarem mais com a falta da segunda, porque a sua vida fácil lhes deixa, possivelmente, mais saudades. Os simples mortais como eu, poderão sentir alguma tranquilidade quando no fim do baile, os vemos caminhar sozinhos pelas vielas, expiando algum castigo. É a caminhada de alguma justiça que ainda anda por aí.

domingo, março 19, 2006

Os cães

De barriga cheia, mas sabendo que há futuro e apesar de, no passado, não ter cultura de ficar com fome, ei-lo que cobre o prato com o tapete do chão. Quanto mais cobre mais o arrasta, tornando barulhenta esta sua manobra meio clandestina. Mas continua apressado, temeroso e determinado, quase com ganas de morder quem se aproxime. Por que o faz? Provavelmente, pela incerteza do prazer garantido, nessa coisa meio obscura que é o futuro, o tal que pertence a Deus, um companheiro em que, afinal, se assim se procede pouco se acredita. Quantos dos comportamentos dos homens não são também determinados apenas por vagos receios? Outros sê-lo-ão pela rotina de os ter, pela falta de imaginação de fazer diferente ou mesmo pela falta de rotina de pensar por que se faz, mas ancestralmente serão muitas vezes os medos que geram a acção.
Na adivinhação do futuro se tem investido perscrutando o presente e o passado, usando a metodologia da ciência ou mesmo, quando dela alheados, através pelo recurso à adivinhação por outros métodos ou às mesmo só pela fé. A ciência, o conhecimento das leis que nos regem tem, ao longo dos tempos, gerado respostas para alguns dos medos, tem acabado com alguns deles, mas também não tem deixado de criar novas dúvidas, para a geração de novos medos. É difícil, pois saber qual o balanço, mas, possivelmente, será impossível fazer de outra forma.
Algumas vezes acontece criar-se uma ferramenta que simplifica a existência, como os computadores. Só que logo a seguir, a descoberta é desvirtuada pelos receios de quem manda (ou pela sua incapacidade de imaginar diferente) e aquilo que deveria simplificar, acaba complicando. Estas máquinas que nos poderiam libertar o tempo para actividades de lazer, acabam por nos encher o pouco tempo que disso tínhamos, por nos aumentarem ritmos de trabalho e porque, quem manda, tira em seu proveito o efeito libertador que em si encerravam. Na ânsia de criar mais vantagem, substituem os homens pelas máquinas, criando legiões crescentes de desempregados, melhorando a sua Economia, dispensando custos com recursos humanos (chateia-me esta expressão de recursos humanos. Gostava muito mais de serviço de pessoal. Esta considerava-nos pessoas, a outra coisas a que se pode recorrer. Acho que devíamos reinstituir os serviços de pessoal e recusar-nos a ser recursos humanos, dispensáveis a todo o instante.), gerando sempre mais lucro para si ou para um grupo cada vez mais restrito. E a descoberta que nos libertava, acaba, por fim, por nos oprimir. E tudo isto porque têm mais afectividade por um computador do que por uma pessoa. O primeiro reduz os custos de produção, a segunda aumenta-os. Só que se não percebe, exactamente, para que serve a redução dos custos se as pessoas ficam de fora. É aquilo que o cão faz ao tapar a comida só pelo hábito ou pelo medo do que vai vir, sem nenhuma evidência da necessidade do acto, só pela rotina de o fazer, sem a capacidade de reflectir na coisa. Atitude certamente justificável num cão, mas não seremos diferentes? Alguns, pelos vistos, não!

sábado, março 18, 2006

Curricula

Os curricula são quantas vezes o contrário do que parece. Classifica-se melhor o candidato que escreveu muitos textos, quando possivelmente, ao fazê-lo só retirou tempo ao que seria útil ter feito. Realmente, se desses textos nada resultou para a melhoria da sua actividade ou da dos outros seus pares, de que valeu a pena tê-lo feito? Este é um vício do meio em que nos movemos, este fazer de conta que se investiga, sem que dessa investigação nada resulte de eficaz, simplificador da actividade. Desta forma muita da investigação feita é desperdício, geradora de despesa em vez de lucro. Por absurdo, ainda lhe atribuímos valor, quando, na realidade, deveria ser factor de desvalorização pessoal.

Comissões

Atribui-se a Salazar ter dito que criar uma comissão era a melhor forma de não actuar. A comissão discute, propõe, mas tudo fica na mesma. Não é de estranhar pela forma como se nomeiam. Para começar, uma comissão é constituída por vários tipos que se dispõem a trabalhar sem nada receber. Mesmo agora que toda a gente já sabe que não há almoços grátis. Depois, os comissários geralmente têm de decidir sobre aquilo em que laboram. Parece que se não se encontrassem não saberiam como laborar. Vão assim, tentar convencer-se uns aos outros como deverá ser feita a coisa, mas sempre com pouca vontade de cada um deles fazer a sua coisa de forma diferente. O resultado, geralmente, é sempre o mesmo: eles continuam a fazer como faziam, os que não fizeram parte da comissão tendem a não fazer o que a comissão (aqueles pretensos iluminados!) disse para se fazer. Realmente, no fim tudo fica na mesma ou pior. Pois é, não se pode pedir aos árbitros que criem as regras do jogo e as vão de seguir aplicar, ainda por cima jogando por uma das equipas. É desejável que haja comissões de peritos, mas terão de ser independentes do jogo e, não podendo beneficiar dos proventos dos jogos, terão necessariamente de ser pagos. E quem lhes pagar dessa forma poderá organizar campeonatos mais baratos e acabará, apesar de lhes pagar, lucrar com a despesa.

quinta-feira, março 16, 2006

Relatividade

À volta pouco estimula, tirando talvez umas rixas na Sorbonne, mas deve ser mais o meu desejo que Maio renovado. E pode até ser que seja apenas reprise de subúrbios. De resto, é apenas mais do mesmo. Bush continua ao ataque e ameaça o Irão e todos os maus do mundo, para me deixar invejoso de não conseguir ser assim simples. Que tranquilidade deve ser esta coisa dos bons e dos maus! Onde aprendi a misturar as cores e ver esta paleta infinita de combinações possíveis? Era bom quando só via a duas cores. Mas agora é mais perfeito.
O triste é não se ver a preacaridade de tudo isto, os tais 70 e tal anos (em média!) que nos separam de um tempo bem mais eterno, sem que ninguém escape a esta sina. Valerá assim tanto este tempo tão breve?

quarta-feira, março 15, 2006

Escolhas

Uma coisa são concursos para atribuição de competências, outra bem diferente são os destinados a atribuir lugares para constituição de uma equipa. No primeiro caso basta definir critérios mínimos de perícia e verificar se os candidatos os possuem. Quando atingem um determinado valor, é-lhes concedido o grau. Mesmo aqui devem privilegiar-se critérios objectivos de análise, definidos sem a participação dos júris. As regras devem ser aplicadas pelo júri, mas definidas por terceiros. Estranhamente, no casos dos concursos médicos, ainda são os júris que definem os critérios, isto é, as regras. Mas, nestes concursos de obtenção de graus, o problema não é tão grave, ou se obtem ou não a graduação e geralmente o problema decorre pacificamente.
Os problemas agudizam-se quando se fazem concursos de provimento. Existem umas normas gerais vagas sobre as quais os júris definem grelhas de avaliação que, à partida, podem valorizar o candidato eleito do júri. E não chega não se saber quem vai concorrer, basta conhecer-se o concorrente que queremos escolher. Nestes casos, a escolha só acaba por ser minimamente objectiva quando o juri não quer escolher ninguém em particular. Ou seja, o juri põe e dispõe, tem todo o poder. Seja feita a sua vontade. Trata-se de um exercício de pretensa independência, uma farsa para legitimar o ilegitimável. Curiosamente, apesar do rei ir nu, ninguém lhe aponta o dedo e acaba de vez com estes exercícios de estilo em que as pessoas se cansam em argumentos em que não acreditam e de que sempre resultam incómodos e sensações de injustiçados. Isto é, fica tudo chateado e nem mesmo os vencedores têm o prazer da vitória porque a dúvida (ou certeza) de terem sido beneficiados lhes retira essa oportunidade. Acedem ao poder, podem continuar a farsa. Então por que se mantêm estes exercícios? Por necessidade, porque se não existissem a subjectividade seria ainda maior, o compadrio exacerbava-se. É falso, em nada estes concursos o evitam, apenas aliviam a consciência (se existisse) dos elementos dos júris. A sua irresponsabilização mantém-se intacta, nunca a sua vida vai depender das escolhas que façam. Aliás, se optarem pelo mais cordatos e burros em detrimento de alguns mais brilhantes e naturalmente com ideias próprias, até acabarão por ter menos problemas de futuro. Conclui-se assim, que os concursos se mantêm para perpetuar o poder das chefias, para lhes conservar a irresponsabilidade e garantir os lugares. Mas tudo isto poderia ser diferente e menos doloroso se paenas se avaliasse com objectividade a chefia através de critérios de qualidade da acção produzida. Só que neste caso alguma coisa poderia ser posta em causa, especialmente seria colocado em cheque o poder. E como o poder não se oferece, não esperemos que nada mude, se nada fizermos para o mudar.

terça-feira, março 14, 2006

À volta

Paradoxalmente, ao mesmo tempo que a vista se vai cansando, começamos a ver melhor, com outra nitidez o que antes a vontade esfumava. Ficaremos, por ventura mais cinzentos, mas na verdade nem sempre é colorida a realidade e, com efeito, muitas vezes mesmo são os nossos olhos que a pintam. Ela esteve lá sempre onde a vemos da mesma cor e nós é que somos seus pintores.
Foi assim que comecei o passado sábado, a reflectir sobre a generosidade dos homens. Com uma triste sensação de que, naturalmente, ela não existe, não passando de uma construção elaborada pela psicose de alguns. E mesmo esses, ao sentirem-se generosos, correm o risco de o deixar de ser. Porque a generosidade deixa de o ser quando percebida, naquele instante em que se converte em mais uma mercadoria que se tenta passar ao próximo. Aí, nesse instante, até pode converter-se no seu contrário. Conceitos destes devem ter nascido pela necessidade, ainda acredito que natural, de vivermos juntos uns com os outros, gerada pela natureza insuportável de vivermos cada um para seu lado. Fomos longe na psicose, criámos a necessidade das leis justas e até o Estado. E sempre que o medo nos assaltou, imaginámos o surreal para explicar o que não explicamos e criámos a religião. E assim temos vivido contranatura, quando como se vê que o que gostamos é do prazer, muito mais do que da realidade. E este conflito entre o prazer natural e a realidade criada nos tem acompanhado desde sempre. Hedonistas e estóicos por aí temos andado, criando éticas e morais.
Nos últimos tempos anunciaram-nos o fim da história e, depois de derrubarem o muro, querem convencer-nos a derrubar o Estado e a viver cada um por si, não percebendo bem que depois de estarmos sós logo iremos a correr reconstruir tudo de novo. Gostamos de andar às voltas. Afinal é assim que tudo parece andar desde os electrões aos astros todos. Era assim, de roda, que gostava de andar quando miúdo girava até vir a vertigem de um enorme prazer.

E neste intervalo apareceu morto o Milosevic, o Sampaio foi ver o Sporting, o Benfica teve o seu dia de azar (para variar), os iraquianos continuam a morrer como nunca, o Irão está quase a seguir-lhe as pisadas, as OPAs continuam animar as bolsas, as direcções dos hospitais continuam a vender o que é rentável aos privados e o Sócrates já está no poleiro há um ano. E está tão contentinho com o que fez!!! E já foi à Finlândia ver o que lhe falta fazer: pôr toda a gente a pagar impostos, dar ensino gratuito e universal, além da saúde e... ele deve ter visto. Vamos nós ver se viu.

quinta-feira, março 09, 2006

Hoje é o primeiro dia


Hoje é um dia histórico para o país: O Benfica ontem eliminou o Liverpool.
O resto são histórias do passado, a relembrar num futuro próximo. Só que agora deixou de haver recurso para leis mais selvagens. Ao contrário do que, de alguma forma, acontecia antes.

quarta-feira, março 08, 2006

2-0

É sempre necessário bater na bola e depois ter o momento de sorte de ela, ainda que batendo na rede, passe para o outro lado. As vitórias e a vida são cheias destes momentos. Há dias em que a bola passa sempre para o lado de lá, outros em que bate forte e volta. Hoje foi dia de match point (e duplo!!). E a sorte de uns acaba por ser o azar dos outros. A justiça é perceber que ela não existe nestas coisas da vida e que as coisas têm esta natureza. Simplesmente. A justiça é uma busca de racionalidade num processo de outra natureza e nesta não entra esse conceito. Mas não deixa de ficar bem se, ainda que contrariando a natureza, soubermos torná-la mais humana, não procurando, de forma cega, apenas a sorte.

terça-feira, março 07, 2006

O terror do medo

Pode ser demais num só dia ter uma dor violenta num pé e acabar a saber que também se é diabético. Juntar a isto 8 horas de espera num serviço de urgência tira do sério o mais bem intencionado dos cidadãos. Depois vem o medo de todas as novidades que lhe são dadas. É preciso drenar o fleimão! E nuvens negras de dores e mais complicações dresencadeiam a tempestade. Pelo meio há cansaço, opressão pelas condições em que também se vive do outro lado e quem não quer ser tratado não merecerá que se perca tempo com ele; há mais quem queira. A radicalização do conflito, acaba muitas vezes com aquele, se não quer assine aqui, que podendo ser mais uma forma de pressão com vista a fazer mudar a opinião, pode também ser manifestação de desinteresse e até de algum alívio. Para mim, sempre me soube a derrota, no entanto. Foi por isso, que comecei por o abordar chamando-o pelo nome e depois lhe expliquei, como se ele fosse a pessoa mais razoável e inteligente que houvesse, os riscos de não fazer a cirurgia, a relativa facilidade que o processo envolvia, a excelência do hospital onde estava, sobretudo porque aqui gostamos de tratar bem os doentes e não lhes causar dor. Dez minutos de conversa mudaram decisões irrevogáveis de 8 horas de conflito. Suspirou e concordou. O medo por instantes deu lugar à disponibilidade. Nestes casos é bom não agigantar o medo, sendo mais útil derretê-lo com bom senso.
Da derrota passei a um sentimento de vitória. Há assim uns dias em que a ciência é, com vantagem, substituída pelo bom senso. São aqueles em que eta actividade se torna gratificante.

domingo, março 05, 2006

A fotografia

É muito importante a maneira como encaramos as câmaras. Um dia só ficamos no registo do clique. E tudo o resto se desvanece. Se calhar nem será assim tão importante, porque até o registo acabará reciclado por aí. Fica a valer o instante, este. Acabou, aproveite-se o seguinte e assim por diante, com toda a energia possível.

quinta-feira, março 02, 2006

Democracias do Demo

Ou de como se prova que há povos terroristas e outros com maiorias não democráticas.

Evidências (ou serão provas?)

Nesta ciência exacta em que me movo, numa manhã li três textos com opções terapêuticas diversas para a mesma situação. Como o assunto era de outra especialidade, consultámos dois colegas avalizados. Foram mais dois resultados diversos, afirmados com toda a convicção. Só que até eram antagónicos. Num dos casos a afirmação era mesmo de fatalidade possível com uma das alternativas e a proposta era qualquer coisa que pode fazer desaparecer os leucócitos. Qualquer das opções na ordem dos 100 euros o mês de tratamento. Como o doente era especial, acabei por optar pelo velhinho haloperidol a pouco mais de 2 euros. Dez gotas e parece ter bastado... até a próxima complicação ou insucesso terapêutico. Será o sucesso tão diferente com as alternativas da moda?
Num tempo de medicina baseada na evidência (aquela que muitas vezes a indústria cria ao sabor das cotações) não deixa de ser curioso ver toda a eficácia da arte de que esta actividade tanto é feita. Sem dúvida que, entre les deux, o meu coração balança.
Ainda deu este episódio, para andar a ler as portarias (543/2001 de 30 de Maio) de comparticipação do Estado nos preços e a polémica que foi a determinação de ter de se escrever o nome da doença nas receitas e da tentativa de restrição de prescrição, para se obter a comparticipação, a certos especialistas. Em nome da ética, disse-se que não podia ser, a primeira violava o segredo profissional, a segunda discriminava os médicos e dava-lhes diferentes competências. É claro que o sigilo quebrado com a menção da doença é uma opção do doente, que poderá sempre optar pelo pagamento integral e que os médicos não são de forma alguma igualmente competentes para prescreverem tudo e mais alguma coisa. Pode até dizer-se que a decisão de autorizar a escrever o diagnóstico é discriminatória para os doentes, tramando os mais pobres, obrigando-os a deixar que a menção seja feita e favorecendo os que podem pagar os medicamentos. Claro, que esta deve ser a única desigualdade que existe em todas estas e outras muitas coisas... Pois os princípios éticos são muitas vezes o favorecimento da ética do vendedor e facilitar as prescrições é, seguramente, o melhor meio de aumentar as vendas e lucros, afinal, pouco éticos a quem basta soprar a cultura, deixando a outros a sujeira nas mãos. Como se constata, afinal, dá jeito ter um Estado gastador, embora se continue a exigir-lhe que baixe os impostos, não se percebendo muito bem como o fazendo poderá garantir os pagamentos.

quarta-feira, março 01, 2006

Festa

Eu queria estar na festa, pá!

Solidariedade

Começa tranquilo o dia em que Bush anuncia que vai apanhar o Bin Laden. Os ventos passam a soprar de forma diferente depois deste anúncio. No Iraque, hoje, até talvez não morram 30 para compensar os 60 que ontem morreram na celebração da paz e da liberdade. Importante é o louvor do individual, da capacidade sobre-humana de alguns semi-deuses. Enquanto houver quem acredite nos génios do mundo, só mesmo eles continuarão a não perceber por que raio têm de morrer como os outros. Mas para satisfação dos mesquinhos e vingativos em que me incluo, também eles não ficarão para semente. E ainda bem, porque os frutos do futuro merecem melhores genes. Mas a manutenção da diferença, exige o seu conceito e a sua imposição como realidade. Se assim não fosse, seria difícil justificar as outras diferenças que dão acesso ao poder de mandar nos que são simplesmente iguais.
Felizmente, como no Astérix, há sempre quem resista às certezas do Império e continue a pensar que o mundo é feito de pessoas empenhadas num precurso comum. É por isso, que vão a casa de quem vive só, conversar um pouco ou comprar um pacote de manteiga ou, simplesmente, permitir que a mulher saia da prisão que é a casa onde se vive com alguém dependente, preso com o receio de que possa acontecer alguma coisa. Esta gente sabe a palavra proibida, marginal, que, ainda não há muito, era propaganda: solidariedade. São eles que aprenderam (e me ensinaram) que a televisão não é companhia para esta gente idosa. Realmente, tanta exuberância, riso e felicidade, só os isola mais, só os humilha, mostrando-lhes um mundo a que, definitivamente, não pertencem e que os domina.